I Conferência termina com fôlego para mais debates

 

“A troca tem sido grande entre duas secretarias robustas (Saúde e Desenvolvimento Social), mas ainda precisamos avançar na área Educação”, disse o subsecretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura, Rodrigo Abel,  durante o Painel IV, o último da I Conferência Casa Viva, no sábado (26), no Viva  Rio.

Abel também levantou críticas sobre a atuação da mídia, atribuindo a ela a responsabilidade sobre a visão deturpada que a sociedade possa ter sobre as Casas Vivas. “A mídia vende o abrigo como um local de restrição de liberdade, quando na verdade ele é um local de proteção da criança e do adolescente. Essa visão deturpada prejudica sobremaneira o nosso trabalho”, criticou o subsecretário.

Coordenador da maior pesquisa realizada sobre crack no Brasil ( http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/fiocruz-lanca-livro-digital-da-pesquisa-nacional-sobre-o-uso-de-crack), o pesquisador do ICICT Fiocruz, Francisco Inácio Bastos, afirmou que estamos passando por um período muito complicado, marcado por um paradoxo: “O Estado permite que qualquer criança seja recolhida e colocada num lugar sem estrutura de forma arbitrária, mas não permite que a mesma criança seja ouvida em uma pesquisa. Isso não faz sentido nenhum”, exemplificou.

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Francisco Inácio Bastos, da Fiocruz, narrou o caso da Alemanha, que reduziu casos de overdose de heroína nos anos 1990

 

Bastos disse que embora tenha convicção de que é necessário aperfeiçoar uma série de marcos legais, inclusive o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca), teme complicações.  “Estamos andando no fio da navalha, entre a reforma necessária e o risco de reformarmos não para melhorar, mas para piorar”.

Segundo afirmou, por último, os profissionais que atuam nesta área deveriam se unir e a melhor alternativa seria alterar “no micro”, a partir das ações cotidianas, onde há a vivência de conflitos que favorecem o debate, as mudanças e as decisões. Bastos citou ainda o caso da Alemanha que na década de 1990 vivia um cenário marcado pelas overdoses, em consequência de uso abusivo de heroína.

A Prefeitura de Hamburgo se uniu à sociedade civil e foi traçado um plano para a redução de overdoses, que incluía a descriminalização da demanda por assistência (quem ajuda o paciente na cena de uso não pode ser criminalizado); uma campanha de primeiros socorros para que os próprios usuários pudessem ajudar uns aos outros; pesquisas nas amostras das drogas vendidas nas ruas para descredenciar traficantes que adulteravam a droga de forma mais perigosa. Conforme Bastos, apesar das críticas e das descrenças iniciais, as overdoses foram reduzidas em mais de 70%.

Lógica do encarceramento X Lógica da interação

O secretário executivo do Iser, Pedro Strozenberg, afirmou que o medo e o preconceito fazem com que a lógica da segurança se sobreponha à lógica da convivência e da construção de relacionamentos. Ele enfatizou a necessidade de se criar políticas públicas consistentes, regulares, contínuas e avançadas e citou dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), segundo o qual o número de jovens apreendidos no Brasil, nos últimos quatro anos, aumentou em 200%.  “A lógica do encarceramento está varrendo a política em termos da relação da segurança com juventude e boa parte da sociedade está aplaudindo e dizendo que tem que se gastar dinheiro com prisão.”

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Pedro Strozenberg, do Iser, desafiou o Governo a criar políticas públicas que priorizem as ações integradoras e o diálogo

Agenda prática

O escritor, ativista cultural e social e presidente da CUFA do Ceará, Preto Zezé,  presente em todas as mesas da Conferência, trouxe reflexões sobre a importância de trazer este grupo para o debate (“eles podem ser um problema para vocês, mas podem ser uma solução). Em tom de brincadeira, confessou-se “meio pelego”, justificando em seguida: “Quero ver a solução”, e sugeriu a construção de uma agenda prática em conjunto com a polícia, discutida pelos “meninos”.

“Nosso objetivo não é melhorar a relação dos meninos com os policiais que estão nas ruas?”, indagou Zezé, lembrando que há muitos desafios como o de desconstruir a ideia da polícia de que o usuário de crack é bandido. “Isso não vai mudar com a lei. Lá na ponta, a segurança pública é feita no banco da viatura. E é para lá que temos de ir. Se estamos falando de protagonismo, também precisamos respeitar a lógica da polícia. O cara que tem vivência no território tem muito a nos dizer”.

Francisco Inácio Bastos, da Fiocruz, narrou o caso da Alemanha, que reduziu casos de overdose de heroína nos anos 1990 com política pública eficaz

Preto Zezé , escritor cearense e ativista social e cultural, defendeu diálogo com policial da ponta que atua nas cenas de uso

Micro é macro

O diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, apoiou a fala de Zezé e disse que o diálogo com o alto comando da atual polícia militar do Rio de Janeiro já está sendo construída. Acrescentou que eles também têm suas dificuldades e barreiras, tanto para aplicarem mudanças dentro da corporação como externamente, com a mídia, por exemplo. “Mas é possível trabalhar. E é uma agenda boa para os próximos encontros: pensar com a mídia e com a polícia. E, principalmente, pensar dentro de casa”.

Para Rubem, no entanto, a maior aposta também está nas pequenas, porém revolucionárias ações. “Temos que estar sempre no macro, mesmo nessa maré difícil. Talvez seja o momento de se fazer a batalha micro, mais do que se pensar no macro. Temos muito a inovar, em nosso bairro, na nossa instituição e na nossa casa”.

 

 

 

 

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