“Educação é a solução”

O engenheiro haitiano Wilky Prince, 31 anos, especializou-se na tecnologia de biodigestor através do Viva Rio e hoje gerencia a sua própria microempresa de transformação de resíduos orgânicos em energia, gerando emprego e saneamento básico sustentável. Vítima da violência e da falta de oportunidades durante a infância, ele acredita que as novas tecnologias podem ser a solução para alguns dos principais problemas do Haiti. “Eu gostaria que a minha história servisse de exemplo para os jovens e os motivasse a lutar pelos seus sonhos, permanecendo no caminho correto. A formação é a solução, não a violência”, diz.

 

Wilky: "O biodigestor é essencial para a comunidade e a proteção do nosso meio ambiente"

Nascido em Gonaïves, cidade onde, em 1804, foi declarada a independência do Haiti, as lembranças que Wilky tem da cidade não têm nada a ver com liberdade. Antes dos 10 anos ele perdeu o pai e o tio, ambos violentamente assassinados por integrantes do zenglendo, grupo armado que praticava crimes e assaltos noturnos a casas. Depois desse episódio, ele decidiu ir para a capital do país, Porto Príncipe, em busca de melhores oportunidades. “Eu cheguei ao bairro de La Saline entre 1989-1990, inocente e ingênuo, sem nem saber o que queria dizer zenglendo. E me encontrei sozinho, diante de um ambiente completamente desfavorecido, violento, insalubre, sem trabalho nem esperança. Mas, graças à minha perseverança e à minha força de vontade, eu corri atrás e superei essas dificuldades”.

Ele conseguiu uma bolsa para terminar os estudos escolares e foi aprovado no exame para a universidade Ruben Leconte, onde formou-se em Engenharia e Construção Civil. Para manter os estudos, arrumava trabalhos temporários. Wilky já trabalhava na área da engenharia quando o Viva Rio chegou ao Haiti, em 2004, e instalou sua sede, Kay Nou (“Nossa Casa”, em creoulo), exatamente em frente à casa do engenheiro, no Portail St Joseph.

O biodigestor reduz em até 70% o lodo e decompõe 90% das bactérias do esgoto, sem o uso de qualquer produto químico ou energia elétrica

Wilky imediatamente se interessou pelo trabalho do Viva Rio. Um dia, durante um sorteio de bolsas escolares do projeto Tanbou Lapè numa escola da vizinhança, ele encontrou Bob e Samba Papito, que trabalhavam na área de Segurança Comunitária da ONG, e se apresentou. Não demorou muito para que ele conhecesse Valmir Fachini, coordenador do projeto de biodigestor do Viva Rio, se inscrevesse no curso de formação técnica em biodigestores e começasse a trabalhar com a ONG na construção de latrinas e biodigestores em escolas. Logo ele passou a supervisionar o biodigestor de La Saline e tornou-se supervisor de gestão e sensibilização comunitária sobre os benefícios da utilização do biodigestor. “A reciclagem gera gera emprego, saneamento básico sustentável e educação em saúde. O biodigestor é essencial para a comunidade e a proteção do nosso meio ambiente, não apenas em nível local, mas também para o país como um todo, pois nós vivemos uma catástrofe ambiental”, diz.

A microempresa de Wilky está ajudando a difundir a tecnologia do biodigestor no Haiti

Wilky também participou de trabalhos de educação em saúde e higiene e de prevenção e luta contra o cólera. Durante o período em que trabalhou com o Viva Rio, ele foi tomado por uma forte vontade de criar a sua própria empresa para intensificar a expansão da tecnologia do biodigestor no país, levando o saneamento básico sustentável para outras regiões. “Um dia, eu me senti pronto para replicar o modelo inovador do biodigestor e a treinar eu mesmo os haitianos para trabalhar com a nova tecnologia. O Fachini viu em mim um engenheiro capaz e o Viva Rio me ajudou a legalizar a minha microempresa”, conta.

A empresa foi criada no início de 2012 e, em parceria com o Viva Rio, já formou mais de 100 técnicos em biodigestor. Apesar da sensação de realização, Wilky quer mais: “O meu sonho é que a minha empresa cresça, tenha filiais e gere muitos empregos para os haitianos. Também quero conquistar reconhecimento nacional e internacional e ampliar o campo de atuação da empresa para além da formação, abrangendo a construção de biodigestores e a produção de energia. Eu desejo que este modelo seja multiplicado e incorporado ao cotidiano, para que possamos criar cada vez mais cantinas escolares e populares com a utilização do biogás”.

É um sonho grande, mas incapaz de intimidar quem já superou tantos obstáculos na vida e se inspira em histórias de luta e sucesso para buscar cada vez mais para a sua comunidade e o seu país: “Com paciência, é possível encontrar as tripas de uma formiga”, diz Wilky, citando um dito popular haitiano (“Ak pasyans nap jwenn trip foumi”).

Os biodigestores geram empregos, energia e saneamento básico sustentável

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