O Viva Rio continuará fazendo mediação de conflitos no Haiti, atuação iniciada em 2004 a convite da ONU, apesar da desmobilização das forças militares brasileiras no país caribenho. A informação é do coronel Ubiratan Ângelo, coordenador de Segurança Humana da instituição, que realizou uma conferência nesta quarta-feira (29) na Escola de Comando e Estudos do Exército, na Urca, zona Sul do Rio.
Para os militares que lotaram o auditório, conhecer a experiência de uma organização não governamental no Haiti proporcionou uma manhã inusitada, que vai enriquecer suas respectivas formações acadêmicas. Ubiratan foi presenteado com um certificado da instituição militar e arrancou aplausos da plateia.
O coronel só chegou ao território caribenho em 2008, para ajudar a fazer a diferença no Programa de Desarmamento da Violência da ONU. Esta diferença logo começou a aparecer, como consequência dos contatos estabelecidos com jovens lideranças, entre elas Robert Montinard, hoje sediado no Rio e também presente na conferência.
“Nosso objetivo era integrar a sociedade dividida e promover a cultura da paz”, explicou Ubiratan, cujo foco era reduzir a violência urbana e estimular o desenvolvimento local. Segundo ele, a capital, Porto Príncipe, onde também estavam as forças militares brasileiras, tinha na época 100 mil habitantes. O Viva Rio escolheu para se estabelecer uma base de 25 mil m² no bairro Bel-Air, onde criou um programa de segurança comunitária, todo costurado com as lideranças locais.
Auxiliado pela projeção de um power point, o coronel enumerou uma série de ações que contribuíram para baixar os homicídios por causas violentas, índice escolhido pelo Viva Rio para atuar, já que o país não dispunha de estatísticas. “O primeiro grupo criado foi de lideranças religiosas de várias crenças, inclusive o Vodu, muito presente no Haiti. As lideranças comunitárias organizaram o programa de paz, de dentro para fora”, esclareceu. Diferente do Brasil, a violência no país não está ligada ao tráfico de drogas, mas aos conflitos entre grupos rivais.
Também foram distribuídas bolsas de estudos para crianças e para músicos. Quando não havia mortes, eram sorteados laptops ou motocicletas entre as lideranças e foi organizada a festa Tanbou Lapè (tambor da paz em kréole, idioma oficial dos haitianos, ao lado do francês), sem a presença de militares. “Foi aí que os índices de violência começaram a quebrar”, lembra o coronel.
No mês de julho, o mais quente de um clima já quente, o país costuma ser devastado pelos furacões que vêm da África, agravando a falta de saneamento básico, água potável e de um sistema eficiente de coleta de lixo. Foram então treinados jovens para atuar em ações de emergência provocadas por desastres naturais. A saúde preventiva passou a ser feita em escolas associada a mulheres, muito respeitadas no país. A coleta de água de chuva para fazer reserva virou programa de saúde após o terremoto, em 2010, com a chegada da cólera.
Em um lugar que carece de banheiros, os biodigestores não só foram solução para os dejetos, como para a produção de gás e de fertilizantes para a agricultura. Outra frente foram as aulas de capoeira, que chegaram a envolver mais de 500 alunos, uma escola para os jovens trocarem a violência pela liderança comunitária. Outra experiência de êxito foi a criação dos Pérolas Negras, um centro de treinamento de futebol para talentos locais, com suplemento escolar. “Fenelon, atleta que está no Brasil, ainda vai dar o que falar”, aposta o coronel.
Ubiratan, que estima em 55 mil a população de haitianos hoje no Brasil, falou ainda do projeto Haiti Aqui, desenvolvido pelo Viva Rio para ajudar no processo de legalização e na socialização de quem veio para cá. Robert, ou Bob Montinard, aproveitou para explicar aos militares como funciona a programação destinada aos haitianos que coordena na Rádio Viva Rio, com opções musicais, de comportamento e religião.
(Texto: Celina Côrtes| Fotos: Tamiris Barcellos)