Viva Rio sedia 1º debate do Legislativo fora de Brasília

“A proposta se encaixa na missão do Viva Rio de reunir e intermediar grupos diversos para buscar consensos sobre temas variados”. O diretor executivo Rubem Cesar Fernandes comparou o papel da instituição ao de um jogador de meio-de-campo, em reunião promovida pelo Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados (CEDES), no Viva Rio, que reuniu deputados, acadêmicos e representantes da sociedade civil para discutir segurança pública. Esta foi o primeiro seminário que aconteceu fora de Brasília.

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Para Rubem César Fernandes, a intenção do encontro foi buscar consensos sobre temas variados| Foto: Vítor Madeira

“A segurança pública é um desafio, um assunto de Estado e  não de governo”, afirmou o presidente do CEDES, Lúcio Vale, que coordenou a reunião, ao lado dos deputados Paulo Teixeira (PT-SP), Ronaldo Benedet (PMDB-SC) e Rubens Otoni (PT-GO). O CEDES é formado por  um colegiado de 11 parlamentares suprapartidário, ou seja, deputados de diferentes partidos, que discute temas relevantes e produz estudos para a sociedade. O grupo conta com o apoio de consultores que prestam assessoria técnica e acadêmica.

O deputado Paulo Teixeira disse que não por acaso o Rio de Janeiro foi a cidade escolhida para o primeiro encontro do CEDES sobre segurança pública fora de Brasília. “Além dos avanços observados nesta área, há uma reflexão muito rica sobre o tema nesta capital”, afirmou.

Representante da Baixada Fluminense, o deputado Dr. João (PR-RJ) denunciou que o índice de criminalidade naquela região está seis vezes maior do que a média tolerada pela OMS.

O comentário deu margem à assustadora contabilidade feita pelo Coronel Ibis Silva Pereira, chefe de gabinete do Comandante Geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro: “Sessenta mil pessoas são assassinadas por ano. Isto beira a barbárie”, disse. Crítico ao que chamou de monopólio da violência exercido pela polícia, ele considera urgente que a segurança pública seja norteada pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Para o coronel, caberia ao Exército, e não à Polícia Militar,  a função de preservar a ordem em um Estado Democrático de Direito. “É preciso deixar clara a diferença entre as duas instituições e entre segurança pública e ordem pública”.

A pesquisadora do Programa de Segurança Cidadã do Instituto Igarapé, Michele Gonçalves Ramos,  destacou a redução de homicídios e o aperfeiçoamento da difusão de dados na Agenda Prioritária de Segurança Pública, elaborada em 2014. “Os dados e as informações precisa ser institucionalizados, em qualidade e quantidade, para evitar os “achismos”, observou, defendendo avanços na área de tecnologia e gerenciamento de informações em segurança pública.

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Michele Ramos, do Instituto Igarapé, destacou a redução de homicídios do estudo apresentado|Foto: Tamiris Barcellos

João Trajano Sento Sé, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) elogiou a iniciativa do Legislativo de convidar aquele grupo ao debate sobre segurança. “Hoje, o debate é fortemente ideologizado, mas é possível, com informação e planejamento, criar um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)”, utilizando a experiência positiva do Sistema Ùnico de Saúde (SUS). Trajano também defendeu a regulação do uso da força policial e o controle da força letal. “Diferentemente da saúde, não há uma regulação de política pública para a segurança”.

 

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João Trajano Sento Sé defendeu  o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) com base no SUS | Foto: Tamiris Barcellos

 

Ausência do Judiciário

O secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Pedro Strozenberg,  ressaltou a necessidade de Executivo, Legislativo e Judiciário debaterem com mais regularidade neste cenário de desesperança e desconfiança, em que 32 mil jovens são mortos a cada ano. Para ele, estamos vivendo em um cenário de guerra, em que a juventude é o alvo principal: “É como se todos os dias um avião caísse e morressem 82 passageiros”, comparou, referindo-se  a jovens, em sua maioria de negros e moradores de favelas, mortos diariamente no país.

 

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Pedro Strozenberg acha fundamental o debate com a participação dos três poderes | Foto: Tamiris Barcellos

 

A ausência do Judiciário no debate foi criticada pelo professor do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Lenin dos Santos Pires. “As regras são criadas no Olimpo para serem submetidas à sociedade. O Judiciário e o Ministério Público são atores quase sempre ausentes do debate”, apontou.

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Lenin dos Santos Pires: “As regras são criadas no Olimpo para serem submetidas à sociedade” | Foto: Tamiris Barcellos

 

A antropóloga e professora da faculdade de Direito da UFF Jacqueline Muniz fez duras críticas aos planos de redução de homicídios. “Desde o governo FHC já se vão cinco planos que não saem do papel”, lamentou ela, afirmando que o problema da segurança pública no país é político. “As iniciativas precisam ser estruturantes e não apenas oportunidade casuais”, argumentou.

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“Desde o governo FHC já se vão cinco planos que não saem do papel”, criticou Jacqueline Muniz | Foto: Tamiris Barcellos

O assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional, Alexandre Ciconello, fez coro a Jacqueline e Lenin, concordando que o problema da segurança pública é político. Ele criticou a postura omissa do Ministério Público de não controlar o uso da força pela polícia. “Mais de 80% dos processos ainda estão em andamento”, apontou, citando o caso de Edmeia, uma das “mães de Acari”, cujo filho foi morto pela polícia há 22 anos e o julgamento do caso ainda não foi feito. Alexandre aproveitou para condenar a redução da maioridade e a extinção do Estatuto do Desarmamento, “mesmo com tantas pesquisas e diagnósticos que provam que estas não são soluções para os problemas da violência”.

Redução das taxas

A redução das taxas de homicídios por armas de fogo em estados que fizeram bom uso das políticas públicas, como São Paulo e Rio de Janeiro, foi um dos destaques do seminário durante a tarde. A pesquisa, apresentada pelo pesquisador Glaucio Soares, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), apontou ainda os estados do Ceará e de Alagoas como os mais violentos.

O Estatuto do Desarmamento está entre as políticas apontadas pelo pesquisador, cuja implantação teve como consequência a redução das mortes violentas nas capitais  citadas na região Sudeste. Já as mortes no Ceará e em Alagoas se concentraram na população jovem, do sexo masculino, solteira e negra.

Glaucio Soares

Glaucio Soares apontou a queda de homicídios provocada pelo Estatuto do Desarmamento | Foto: Vítor Madeira

Um dos temas que gerou controvérsias foi a sugestão do subsecretário de Segurança  do Rio, Phehkx Jonas da Silveira – que representou o secretário estadual de segurança José Mariano Beltrame – de implantação no setor de uma experiência unificadora como o Sistema Único de Saúde (SUS), a mesma sugerida  pelo pesquisador João Trajano Sento Sé: “É preciso unificar as ações para melhorar os resultados”, sublinhou.

Phehkx Jonas da Silveira

Phehkx Jonas da Silveira propôs a implantação de uma experiência unificadora como a do SUS| Foto: Vítor Madeira

Rubem César Fernandes afirmou que os estados precisam apresentar suas soluções e experiências, de forma que as mudanças venham de baixo para cima”, propôs. Para ele, falta instrumental para se estabelecer metas e critérios para romper a inércia predominante. “O que existem são iniciativas isoladas de pesquisadores”, disse, referindo-se à falta de estudos para regulamentar  e subsidiar as decisões públicas.

A coordenadora do Instituto Igarapé, Ana Paula Pelegrino, apontou um problema que considera crucial para manter altos os índices da violência: a política de drogas, “que parte do pressuposto da guerra. O Supremo Tribunal Federal julgará sobre a descriminalização das drogas e o Legislativo precisa ter estes resultados em mente ao repensar as leis.”

Ana Paula

Ana Paula Pelegrino lamenta que a política de drogas parta do pressuposto da guerra| Foto: Vítor Madeira

O delegado da Polícia Civil Jorge de Oliveira da Silva ponderou a possibilidade de criação de consórcios para lidar com a segurança pública. “Por que não se consorciar com a União neste sentido?, questiono,  criticando a excessiva militarização do Estado brasileiro. “A polícia tem de ser um aparelho do Estado democrático”, acredita.

Jorge de Oliveira da Silva

Jorge de Oliveira da Silva propôs a criação de consórcios para lidar com a segurança pública| Foto: Vítor Madeira

No fim do encontro, o Coronel Ibis Silva Pereira levantou uma questão que ganhou a simpatia geral. “Há uma vontade de enfrentar os conflitos à base da bala que precisamos combater. A cultura da paz, humanista, tem de ser trabalhada nas escolas, pela Educação”, concluiu.

(Texto: Celina Côrtes e Sol Mendonça | Fotos: Tamiris Barcellos e Vítor Madeira) 

 

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