Após ser vítima de abuso sexual, Maria [nome fictício] foi até a delegacia mais próxima relatar o caso, mas foi confrontada pela chefe da repartição, que pediu que ela simulasse um teste ginecológico para provar a veracidade do episódio. Já Luisa teve seu salão de beleza destruído pelo parceiro e, quando tentou prestar queixa, ouviu do policial “que estava muito estressada e deveria ir para casa”. Vinte e dois anos após a instituição do dia internacional da não violência contra a mulher – celebrado na última segunda-feira, dia 25 -, as histórias descritas acima mostram que o tema não só é subestimado pela sociedade, como esbarra na desinformação e no machismo até nos órgãos de proteção.
Segundo o Mapa da Violência, publicado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), mais de 70 mil mulheres deram entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) apresentando quadros de violência doméstica ou sexual. Do total, a maioria foi agredida em casa pelo próprio parceiro, situação que continua sendo vista por muitos como algo de âmbito “privado”.
“Há quem sustente a opinião que ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’. A violência doméstica não é considerada uma questão pública, mesmo por alguns profissionais da rede de apoio”, afirma a assistente social Érika Fernanda Carvalho.
Érika comanda o Centro de Referência de Mulheres Carminha Rosa (CRMM), instituição vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que atende a comunidade da Maré, zona norte do Rio. A unidade conta com uma equipe multidisciplinar especializada no primeiro atendimento e no acompanhamento de vítimas de violência doméstica ou sexual, trabalhando em parceria com abrigos municipais, centros de assistência social (CRAS, CREAS), Defensoria Pública e delegacias. Para a coordenadora, há de se reconhecer o aumento do número de políticas públicas de proteção à mulher, a exemplo da Lei Maria da Penha (11.340/06), e os investimentos técnicos nos órgãos da rede. Entretanto, ela admite que existem falhas de comunicação entre os elos da cadeia.

Érika Fernanda Carvalho, coordenadora do Centro de Referência de Mulheres da Maré: “Ainda vigora a ideia de que ‘em briga de marido e mulher, ninguém deve meter a colher’
“Não tenho controle do que acontece com a vítima quando ela deixa o centro de referência, pois não há um fluxo na rede. Contactamos os centros especializados, relatamos o caso, mas não posso garantir que ela terá seu problema resolvido”, explica Érika.
Com o objetivo de identificar e orientar mulheres e famílias em situação de violência doméstica, o Viva Rio realiza cursos, elabora cartilhas e promove fóruns periódicos de enfrentamento à questão em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde. No último encontro, ocorrido em outubro deste ano, representantes de diversos órgãos de proteção apresentaram seus trabalhos, numa tentativa de estabelecer um diálogo mais efetivo entre a rede.

Uma das edições do Fórum de Enfrentamento à Violência Doméstica, realizado pelo Viva Rio em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde
“Quanto mais afinadas as instituições estiverem, melhor será o acompanhamento dessas mulheres”, diz a assistente social e responsável pelo programa, Lidiane Malanquini.