A quarta edição do Diálogos Viva Favela, realizada nesta terça-feira (10), durante a Conferência Mar Sem Lixo, Mar da Gente, na Biblioteca Parque Estadual, no Centro. abordou o tema “Preservando nossos oceanos: uma corrida contra o tempo”.
O convite para participar da conferência partiu da Suissnex Brazil, startup suíça que conecta os dois pais através da ciência, da educação e das artes. Desde o início de novembro, uma equipe da expedição suíça Race for Water está no Brasil produzindo o primeiro levantamento global do lixo nos oceanos.
“Quando fomos convidados pela Swissnex, queríamos dar uma abordagem diferente à questão das águas, então, decidimos trazer as pessoas que moram nas áreas do entorno da Baía e são diretamente afetadas em seu dia a dia com problemas causados pelo descaso com a água. De ambientais com impacto social e econômico”, diz a editora do portal Viva Favela, Debora Pio.
Segundo dados do Instituto Baía de Guanabara, mais de 8 milhões de habitantes vivem ali, sendo que um terço mora em favelas, a maioria em condições precárias de urbanização. “A ocupação urbana sem planejamento gerou o caos urbano. Hoje, temos um cenário de muita desigualdade”, afirma o ambientalista Sérgio Ricardo, mediador do debate, acreditando que haja uma identidade comum a toda esta população que mora nos arredores da Baía, da Zona Sul ou da Baixada.
O debate reuniu o integrante do Grupo Carcará, Ricardo Souza; a costureira Janete Guilherme, fundadora da ONG Mulheres do Salgueiro; o pescador Bruno Amaral, da Associação de Pescadores da Baía de Guanabara; e Edilene Estevam, do Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara.
O derramamento de óleo pelos estaleiros, refinarias e indústrias do entorno; a crescente ameaça à biodiversidade marinha; a falta de diálogo com os principais interessados e afetados pelo desgaste e o enfraquecimento das águas foram alguns dos temas aboradados: “O desenvolvimento é o não envolvimento das pessoas envolvidas”. A frase da costureira Janete Guilherme, que parece sem sentido, resume o sentimento de todos. “Nunca somos consultados para nada”, reclamam. Mais do que não medir esforços, ela procurou saídas. Toda a mobilização que fazemos é para mostrar aos moradores que eles podem se informar melhor, conhecer, entender. Como mobilização, ela entende por comprar um prédio, com ajuda de uma ONG que viria a ser a sede do grupo de costureiras “Mulheres do Salgueiro”.
A favela fica no segundo maior município fluminense, São Gonçalo, que se hoje vive um gravíssimo problema ambiental, em outras época foi um dos maiores produtores de pescados do país. “Quando desativaram o lixão, muitas mulheres que tiravam o sustento de suas famílias de lá, tiveram de se reiventar. Janete dedicou-se a ajudar a reconstruir a autoconfiança e destas mulheres, treinando-as para serem lojistas e artesãs produtivas. Em 2014, 1400 toneladas de tecidos, fechos, linhas, aviamentos e botões serviram de matéria-prima. Janete produziu desfiles e ensaios fotográficos com modelos vestindo roupas confeccionadas com sobras das fábricas têxteis da região.
Morador do Caju, Bruno Amaral cresceu vendo os avôs viverem da pesca. Hoje lamenta outro cenário: embarcações despejando óleo em um lugar que já abrigou a maior frota de barco de pescadores do Brasil, com 150 barcos. “Hoje são uns 10, e só um ou dois vivem da pesca.
Ricardo Costa, do Grupo Carcará, lembra que no século XIX, o mar chegava até à Casa de Banhos, construção que foi tombada pelo IPHAN em 1938 e hoje abriga o Museu da Limpeza Urbana”. Até onde a água do mar chegava, hoje é um estacionamento de carretas. “A Baía entrou neste processo de comoditização, e a nossa herança com o projeto do Porto Maravilha é esta. A população está sendo empurrada para longe da Baía.
“A formação da cidadania é fundamental para que possamos políticas públicas que nos aproximem e a sua execução”, conclui Edilene Estevam.
(Texto: Sol Mendonça. Fotos: Amaury Alves e Tamiris Bacellos)