25/10/2016
“O problema não são as drogas, mas o sofrimento humano”. A opinião, da psicóloga Cláudia de Paula Gomes da Silva, diretora do Centro de Atendimento Psiquiátrico (CAPS) Álcool e drogas (Ad) Paulo da Portela, em Rocha Miranda, na zona Norte do Rio, deu o tom da 5ª Reunião do Fórum Permanente de Segurança Pública, realizada nesta segunda-feira (24), na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj), no Centro.
Organizado em torno do tema As encruzilhadas da Atual Política de Drogas e os Efeitos no Cuidado dos Usuários, o encontro reuniu especialistas que analisaram os nefastos efeito da Guerra às Drogas, que já encarcerou 140 mil pessoas, só no Rio de Janeiro.
O coordenador do Viva Rio, Tião Santos, falou sobre o trabalho da instituição frente ao atual quadro em relação às drogas. “Tentamos mudar a legislação e contribuir para a criação de leis mais correspondentes à realidade, além de atuar na saúde e assistência às pessoas. O Viva Rio trabalhou na criação de uma comissão mais representativa da América Latina junto à ONU, que passe a olhar para as pessoas de forma mais humanizada”, observou.
O Viva Rio criou ainda a Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) e faz lobby para mobilizar a sociedade em torno da mudança na lei. “Quando conversávamos sobre isso com os deputados eles concordavam com nossos argumentos, mas nunca votavam pela descriminalização das drogas”, lamentou. Santos comparou a bem sucedida experiência da prefeitura paulistana com o projeto Braços abertos, de assistência e acolhimento aos usuários do crack, com uma campanha desencadeada pelo então secretário de Assistência Social do Rio, Rodrigo Bethlem, que acompanhou durante uma madrugada no Centro do Rio: “Fiquei impressionado com a total falta de humanidade”.
Encarceramento pela Guerra às Drogas
Ao abrir o seminário, o desembargador Alcides da Fonseca Neto, presidente do Fórum de Segurança Pública, citou os resultados da Guerra às Drogas, que lotam os presídios de pretos e pobres, por não haver distinção sobre o volume de droga portada pelos usuários que caracterize tráfico.
Nesta linha, a psicóloga Cláudia Gomes lembrou já ter visto usuários de crack deixarem o vício em apenas dois dias, sem sinais de abstinência: “Tratamos o sofrimento das pessoas, que as corrói por dentro. A descriminalização é um processo importante, para que a polícia deixe de ter o poder de decidir quem é traficante ou não. A alternativa é pensar junto com o Judiciário e com o Ministério Público para que todos se entendam”.
O mediador e articulador do Viva Rio, Ronilso Pacheco, destacou que o seminário foi precedido pelos encontros Chega aí, vamos falar sobre drogas?, realizados de junho a agosto em diferentes favelas da cidade. “A peculiaridade foi ouvir as pessoas das comunidades, de forma que as discussões ocorram de dentro para fora”, sinalizou.
A médica Valeska Holst Antunes, do Consultório de Rua de Manguinhos, cujo foco é a população de rua – “que passa por um processo progressivo de empobrecimento e exclusão cada vez maiores” -, lembrou que a mais importante pesquisa sobre crack, realizada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad, do Ministério da Justiça) mostrou que o uso cresce entre pretos, pobres e moradores de rua, 40% dos consumidores. “Os 60% restantes estão em casa, o que mostra o mito que existe em torno da droga. Os traficantes não estão na cracolância, mas na zona Sul”, e acrescentou: “O que mais mata ainda é o álcool”.
Para Valeska, mais importante que descriminalizar é regular, o que ajuda a garantir a qualidade das drogas consumidas. Ela lembrou que aumenta o consumo do Cheirinho da Loló, que ganhou novos componentes, ainda desconhecidos das autoridades.
A Juíza Cristiana de Cordeiro disse acreditar que a Guerra às Drogas que vivemos é um retrato do racismo em nossa sociedade. “Há um número muito grande de jovens de 18 anos sendo presos por tráfico de drogas sem passagem criminal anterior. São pessoas que crescem, não cursam uma faculdade e ao se tornarem adultos, pensam que não servem para mais nada”, comentou a juíza.
O Coronel Joseli da Silva, comandante do 1º comando de policiamento da capital do RJ, acredita que não deveria ser responsabilidade da polícia o trato com usuários de drogas, mas da rede de saúde local “Além do recurso ser escasso, muito tempo é gasto quando atendemos uma denúncia de alguém fazendo uso de alguma droga e nenhum resultado efetivo para segurança pública ocorre a partir disso”. Ele acredita que esses policiais poderiam estar atuando solucionando outros crimes que ocorrem a todo tempo na cidade, como roubos.
O coronel Íbis Pereira, ex- comandante da polícia militar do Rio de Janeiro, criticou o modelo policial brasileiro, onde a policial militar, que está na rua, não trabalha com investigação e só pode prender em flagrante, o que estimula o confronto e a repressão que hoje existe nas favelas e periferias. “Qualquer santo, colocado em camburão, embrutece. A guerra desumaniza. É preciso colocar o dedo na ferida, negar o que nos é colocado’, argumentou. O coronel acredita que a sociedade está formando “especialistas sem espírito. É preciso fazer um exercício para manter nossa alma, pensar no outro, sentir suas dores e praticar a solidariedade”, concluiu.
(Texto: Celina Côrtes e Deborah Atila| Fotos: Lucas Almeida)