Um debate de alto nível sobre a legislação que regula a política de drogas no Brasil foi realizado pela Policia Militar do Rio de Janeiro durante o Seminário “Saúde e Política de Drogas – Desafios e Perspectivas da Ação Policial”. O encontro, promovido pela Escola Superior da Policia Militar (ESPM) com o apoio do Viva Rio, foi um marco nos debates da corporação. Pela primeira vez a polícia assumiu publicamente a necessidade de uma nova abordagem para a questão das drogas.
As drogas são um dos cinco maiores problemas enfrentados pela polícia militar, de acordo com o Diretor do Hospital Central da Polícia Militar, Coronel Sérgio Sardinha. Com vistas a uma quebra nesse paradigma, ele propôs a discussão do tema no emblemático seminário. “Quando discutimos essa matéria, estamos assumindo a temática de frente e mostrando que esse é um problema da polícia em relação ao trabalho da corporação”, disse.
Para o chefe do Estado-Maior Administrativo, coronel Robson Rodrigues da Silva, a “miopia” do sistema dificulta o enfrentamento das drogas dentro da própria corporação. “Por conta dessa miopia, ficamos presos ao efeito da droga e não ao motivo que fez o policial usá-la”, defendeu.
A maior parte dos presos portava pequenas quantidades durante o flagrante, estavam sozinhas, desarmadas e não tinham relação com o crime organizado. Desde que a atual Lei de Drogas foi promulgada, em 2006, o número de prisões relacionadas a tráfico de drogas aumentou de 62 mil para 125 mil.
A campanha “Lei de Drogas: É Preciso Mudar” tem como objetivo garantir tratamento de qualidade aos dependentes químicos e uma abordagem mais humana em relação ao tema. Para o coronel Jorge da Silva, ex-chefe do Estado Maior Geral da PMERJ e ex-secretário Estadual de Direitos Humanos, o modelo de guerra às drogas adotado no Brasil tem como consequência uma diferenciação entre usuário e traficante com base em características sociais e étnicas .
“Depois de 2006, pelo fato da polícia não poder prender o usuário de drogas, ela passou a distingui-lo dos traficantes de acordo com a aparência física e social. Se ele mora perto da favela ou é da ‘cor padrão’ (negro), é traficante; se ele mora na zona sul e é branco, é usuário”, disse. Para ele, o momento exige reflexão para mudarmos essa situação. “Tenho certeza de que ficarmos aqui nos matando não vai resolver nada”.
O diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, lembrou que a necessidade de uma revisão da política de drogas em âmbito internacional começou a ser pensada em 2007, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) fez uma avaliação da política implantada nos Estados Unidos e adotada em todo o mundo na última década.
A conclusão da relatoria, da qual o Viva Rio participou ativamente, foi que era urgente uma mudança. “Saí de lá com o sentimento de que estávamos em um momento de transição e agora seguimos o caminho de tentar abrir a possibilidade de pensar o tema de várias perspectivas”. Desde a apresentação dessa relatoria, em 2009, o debate sobre o tema tem sido cada vez mais ampliado.
O comandante da Academia da PMERJ, coronel Íbis Pereira, defendeu um tratamento mais humano e subjetivo para a questão. “O fato é que as pessoas usam drogas porque elas consolam o homem, e ele precisa ser consolado. Vivemos em uma sociedade que matou Deus, a transcendência, a beleza e a poesia, então o que nos restou foram as drogas. Essa questão é de saúde sim, mas antes de ser uma questão de saúde é uma questão antológica”, explicou.
Resultados e proposições
Ao final do evento, divididos em quatro grupos de trabalho (GT), os policiais discutiram o modelo das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) como estratégia de redução de danos, além de novas estratégias de saúde para a sociedade e para os próprios policiais. Eles também fizeram uma revisão da Declaração do Rio, declaração elaborada pelos policiais que participaram do Encontro Estratégico de Segurança Pública e Política de Drogas, realizado pelo Viva Rio em 2011.
No primeiro GT, facilitado pelo coronel Ubiratan Ângelo, coordenador de Segurança Humana do Viva Rio, foram propostas ações como: a criação de sub-prefeituras em cada comunidade pacificada; a expansão do modelo de policiamento de proximidade; a necessidade de educação continuada para refletir a questão da pacificação como uma redução de danos, fazendo um contraponto com o modelo de polícia de combate; e a criação da UPP Escola.
O segundo GT, facilitado pelo pesquisador de Política de Drogas do Viva Rio, Pedro Vicente, levantou a necessidade da criação de Conselhos Municipais e Estaduais de Drogas que tenham a participação das Secretarias de Saúde, Educação e Segurança e que tenham ampla visibilidade midiática para a disseminação de informações sobre as políticas de drogas; a ampliação do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD) e criação de novos programas; a instalação de um programa de formação continuada sobre o tema drogas para oficiais e praças; e uma provocação institucional do legislativo para a reformulação da Lei de Drogas, no sentido de estabelecer critérios claros e objetivos de distinção entre usuários e traficantes.
O terceiro GT defendeu que a complexidade do problema das drogas vai para além da estigmatização e que é necessária uma discussão maior sobre a necessidade de mudança da lei; a criação de comissões interdisciplinares para tratar da abordagem inicial dos usuários de droga; a necessidade de programas de prevenção de base; uma maior estruturação de serviços de saúde para tratar usuários de droga e familiares; e uma prevenção interdisciplinar nas UPP.
O quarto grupo de trabalho sugeriu uma melhor capacitação do policial para lidar com o tema das drogas. Uma das propostas foi uma campanha interna de conscientização, que seria realizada paralelamente à aproximação da administração da PM junto a policiais dependentes químicos, abrindo as portas para eles compartilharem com seus colegas as suas vivências e problemas.
O encontro foi realizado pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, com o apoio do Viva Rio, e fez parte do programa educacional da PMERJ “Diálogos com a Academia”.