A unidade de Campo Grande já realizou quase 800 atendimentos só neste ano
Kelly Curitiba, enfermeira na Sala Lilás de Campo Grande
Os números de violência contra a mulher assustam. Só em 2022 foram 12.028 casos no município do Rio de Janeiro, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Os casos cometidos por maridos, ex-maridos, namorados e ex-namorados representam 38,96% do total.
O Agosto Lilás marca a conscientização pelo fim da violência contra as mulheres, já que neste mês se comemora a criação da Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006. Como uma das formas de apoiar e acolher mulheres vítimas de todo tipo de violência, o projeto Sala Lilás foi criado no Estado do Rio de Janeiro.
A Sala Lilás é fruto de uma parceria entre a Polícia Civil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a Secretaria Estadual de Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde e a ONG Rio Solidário. O projeto foi criado para prestar atendimento especializado e humanizado às mulheres vítimas de violência. Atualmente são seis unidades que funcionam dentro de institutos médico-legais (IMLs): Centro, Campo Grande, Niterói, Petrópolis, São Gonçalo e Nova Iguaçu.
O Viva Rio, que administra unidades básicas de saúde, colabora e se relaciona com o projeto de Campo Grande. A organização também faz a cogestão do Centro de Atendimento Multidisciplinar Integrado à Crianças e Adolescentes, que atende crianças vítimas de violência sexual e funciona dentro do Centro Municipal de Saúde Belizário Senna, no mesmo bairro.
Para ser atendida na Sala Lilás a pessoa violentada precisa ir à uma delegacia e abrir um boletim de ocorrência para que receba um encaminhamento para fazer o corpo de delito. O espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. A unidade da Zona Oeste atende as Áreas Programáticas 5.2 (Grande Guaratiba e Campo Grande), 5.1 (de Magalhães Bastos até Santíssimo), 5.3 (Complexo de Sepetiba, Paciência e Santa Cruz), além de municípios adjacentes como Seropédica, Nova Iguaçu e Itaguaí.
Camila Nascimento, Assessora Técnica em Saúde do Viva Rio na AP 5.2, Kelly Curitiba e Paulenir Vieira, diretora da DAPS da AP 5.2
Conheça a Sala Lilás de Campo Grande, na Zona Oeste
A Sala Lilás de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, foi inaugurada em setembro de 2018 para atender mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, além de crianças e adolescentes com idade até 18 anos incompletos. Ao longo desses quase cinco anos de funcionamento foram realizados 5.017 atendimentos de diversos tipos, entre elas violências físicas, psicológicas e sexuais.
No primeiro semestre deste ano foram atendidas 779 pessoas. Os dados de junho mostram que dos 151 atendimentos realizados, 26% foram violências cometidas por cônjuges e 24% por ex-cônjuges. Os números também apontam que a maior parte das violências foram físicas, sendo 79% do total. O destaque da estatística é para o alto índice de reincidência: 66% dos atendimentos registrados foram de casos reincidentes, ou seja, de pessoas que já foram atendidas e precisaram retornar após sofrerem nova violência.
Os atendimentos abrangem violência doméstica, sexual, extrafamiliar, autoprovocada, importunação sexual, maus tratos e obstétrica. O projeto conta com uma equipe estratégica e especializada, formada por duas enfermeiras e uma assistente social, capacitadas para acolher e orientar os usuários, em sua maioria mulheres.
Kelly Curitiba, especialista em Enfermagem Forense, em Pactos de Violência na Saúde e em Políticas Públicas e Sociais para Mulheres, atua como enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde na Sala Lilás de Campo Grande. A profissional conta que a equipe trabalha de forma integrada com os serviços públicos e sempre fazem os encaminhamentos para outros serviços necessários.
Espaço infantil na Sala Lilás para as crianças vítimas de violência
“Fazemos uma escuta qualificada e livre de julgamentos. Levantamos todas as necessidades: tanto as físicas, como as lesões, quanto as de saúde mental, que são as principais e piores formas de violências, que acometem mulheres e as prendem em um relacionamento abusivo. Chegam muitos casos de depressão, síndrome do pânico, ansiedade, além de ideações suicidas e automutilações, que precisam ser rapidamente encaminhadas para a rede pública de saúde”, explica.
Na Sala Lilás são feitos exames periciais, para atestar agressões, orientações e encaminhamentos para outros serviços ligados às áreas de segurança pública, judiciário, assistência social, políticas públicas e saúde. Mas o serviço vai além, também é feito um trabalho de reflexão sobre a condição das mulheres que chegam até a Sala.
“Falamos sobre questões de gênero, machismo e patriarcado, com o objetivo de trazer reflexão para essas mulheres. Além de dependerem financeiramente de seus parceiros, muitas chegam até nós com uma dependência emocional muito forte, causada por um parceiro manipulador, que busca as convencer que fizeram algo de errado, levando à explosão da agressão. Trabalhamos para retirar delas a culpa por terem sido agredidas”, conta a enfermeira.
Paulenir Vieira, diretora da Divisão de Ações e Programas de Saúde (DAPS) da Área Programática 5.2, comenta sobre os benefícios da criação da Sala Lilás para as mulheres. “O acolhimento é feito de modo que não sejam vitimizadas novamente. Muitas chegam sem rede de apoio e sem ideia do que fazer. Na Sala Lilás elas recebem todo o suporte que a rede pública pode oferecer. A comunicação entre a Sala e a Coordenadorias de Áreas de Planejamento (CAP) é muito rápida e eficaz. Para a mulher é um ganho sem igual”.