O relatório divulgado na última semana pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que aponta quatro possíveis cenários para o problema das drogas no continente, embasou o seminário “A Prática Policial e as Novas Questões sobre Política de Drogas”, realizado ontem, dia 28, na Escola Superior de Polícia Militar (ESPM).
O evento foi dividido em dois paineis e uma mesa de discussão. “Mídia, Religião e Sistema Legal – A Sociedade Civil no Debate” foi o nome do primeiro módulo, que tratou principalmente da participação de religiosos e juristas no assunto. Já no segundo, “A Prática Policial em Diferentes Cenários de Criminalização e Descriminalização” esteve em xeque.
Intitulado “O Problema das Drogas Nas Américas”, o estudo da OEA almeja reformular a lei de que regula a produção e o consumo de entorpecentes nos 35 países afiliados, entre eles, o Brasil. De acordo com a análise, o custo da repressão mostra que a prática não atingiu sua eficácia, argumento sustentado pelo comandante-geral da ESPM, coronel Antônio Carlos Carballo Blanco. Ele frisou que a ideia não é propor a legalização das drogas hoje proibidas, mas pensar na descriminalização do usuário e numa abordagem fora da esfera criminal e mais próxima da saúde pública. “Queremos saber como nós, profissionais de segurança, podemos atuar nesse sentido”, completou.
O diretor executivo do Viva Rio, Rubem Cesar Fernandes, afirmou que a política combativa não foi capaz de conter o consumo ou a produção de drogas. Além disso, terminou por colocar o policial como “primeiro juiz”. “Atualmente, cai tudo no colo da polícia. Se o uso deixa de ser crime, vira problema de saúde”, explicou o antropólogo, mencionando o exemplo de Portugal, que, no início dos anos 2000, descriminalizou o consumo de entorpecentes e apresentou uma queda no número de jovens usuários desde então.
O coordenador da Pastoral Carcerária, Pr.Edvandro Machado, também chamou atenção para a necessidade da regulação e de tornar o problema ilícito no âmbito administrativo, retirando-o do ambiente penal. O religioso se mostrou contrário à internação compulsória, um dos pontos mais defendidos pelo projeto de lei 7663/2010, criado pelo deputado Osmar Terra. “Você pode, sim, tentar convencer o usuário de ser tratado. Mas não pode forçá-lo. Até porque, uma vez que ele se veja fora da clínica, as chances de retornar o vício serão grandes”, analisa.
Já o membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, Babalawo Ivanir dos Santos, afirmou que a atual política tem, como interesse velado, o “controle social”. Afrodescendente, candomblecista e morador da Mangueira, ele relatou alguns dos problemas enfrentados com a polícia durante sua juventude. “Nunca fui usuário, mas, não tem jeito, droga é associada ao ‘negro de favela’. Como seguidor de uma religião africana, eu passava por situações ainda mais constrangedoras”. Conhecido por sua militância na área de Direitos Humanos, Ivanir aplaudiu a polícia pela iniciativa do seminário. “Na minha época de ativista, eu demonizava as policias. Hoje, acredito que existem policiais comprometidos com a sociedade. Espero que esse debate faça diferença no momento em que vocês, alunos, chegarem ao comando”, declarou.
Também participaram do evento o professor da Fundação Getúlio Vargas, Pedro Abramovay; o tenente-coronel Wanderby Medeiros; a coronel Katia Nery Boaventura; o coordenador de Segurança do Viva Rio, coronel Ubiratan Ângelo; e, como moderadores, os majores Torres e Ângelo.
Royal College visita ESPM
Em paralelo ao seminário, 18 oficiais da Royal College of Defence Studies as visitaram a ESPM para conhecer as ações e o olhar do Viva Rio sobre o trabalho de segurança no Rio de Janeiro. A comitiva é formada por generais, comodoros e tenentes do Reino Unido, Emirados Árabes, Arábia Saudita, Índia, Jordânia, Bósnia e Herzegovina, Líbano, Países Baixos, Uganda, Israel, Turquia e Estônia.
Pacificação, policiamento de proximidade e controle de áreas violentas, foram temáticas abordadas pelos oficiais. Através de um panorama histórico, o diretor executivo do Viva Rio, Rubem César, informou à delegação que uma das grandes vitórias do projeto de pacificação foi a resolução do conflito armado. “Antes os traficantes eram vistos como heróis por serem a referência de segurança que havia na comunidade, mas com as Unidades de Policia Pacificadora houve uma quebra conceitual e o policial passou a ocupar este posto”.
O diretor executivo citou o projeto Rapprochement, realizado no Haiti desde março deste ano, como uma política de segurança que utilizou os moldes empregados na UPP para estabilizar o conflito no país caribenho. “Trabalhamos em favelas e áreas conflagradas pela violência porque desde o inicio temos o mesmo desejo: estabelecer a cultura de paz”, disse.
A cada dois anos a Royal College traz oficiais ao Brasil para possibilitar uma visão de como o país trabalha com a segurança. A Assistente da Embaixada Britânica, Giovana Zocoli, informou que a delegação não queria ficar restrita ao olhar oficial sobre o tema. “Queríamos entender como o trabalho de segurança é feito pela sociedade civil e como ela percebe o tema dentro do território”, disse.
Os oficiais já percorreram Brasília e Manaus. Eles também visitarão São Paulo.