17/11/2017
O dia tinha tudo para ser especial. Não apenas o Pérolas Negras disputava uma final logo em seu primeiro torneio oficial, a Série C do Campeonato Carioca de 2017, como pela primeira vez conseguia utilizar a casa que escolheu para a competição, o Estádio do Avelar em Paty do Alferes.
A expectativa era grande e foi atendida com sobras. A torcida compareceu, lotando a arquibancada e a área social do clube, e a equipe correspondeu com bom futebol, vitória por 3×0 sobre o Campos e passo gigantesco para conquistar o título no domingo às 16h em Cardoso Moreira.
Rafael Paty, Iago e Adriano marcaram os gols da vitória que permite ao Pérolas Negras perder por até dois gols de diferença e ainda assim sair campeão do estádio Ferreirão no domingo. Qualquer vitória do Campos por três gols de diferença leva a decisão para os pênaltis.
Jogo cercado de expectativas
As duas equipes, primeiras colocadas de seus grupos na fase principal da Série C, já entraram em campo garantidas na Série B2 de 2018. O Campos terminou como líder do Grupo B e o Pérolas Negras garantiu a liderança do Grupo A ao arrancar um empate contra o Casemiro de Abreu no último domingo.
Na categoria Sub-20 os Pérolas já haviam se sagrado campeões ao vencer as duas partidas da final contra o Itaperuna. No profissional, com o acesso à Série B2 já conquistado pelos dois finalistas, alguém poderia até argumentar que o principal objetivo da temporada já havia sido alcançado pelas equipes.
Mas uma decisão de título é sempre uma decisão de título. E a final entre Pérolas Negras e Campos era também uma estreia e um tira-teima.
Para explicar é preciso voltar no tempo: no dia 1 de outubro o Pérolas Negras finalmente conseguira regularizar o Estádio do Avelar para receber partidas da Série C e, após mandar seus jogos em Volta Redonda, Petrópolis e em dois estádios diferentes de Xerém, ia finalmente estrear sua casa em Paty do Alferes.
A partida dessa data oporia os líderes dos dois grupos, Pérolas Negras e Campos, e a torcida compareceu para apoiar a equipe que ainda não pudera acompanhar de perto. O jogo mais aguardado da fase principal da Série C, no entanto, nunca aconteceu. Um problema com a ambulância da partida acabou decretando o W.O. e a vitória do Campos por 3×0.
O Campos disparou na liderança do Grupo B e o Pérolas foi perseguido de perto pelo 7 de Abril até a última rodada no Grupo A. Conseguiu segurar a liderança, e ontem, um mês e meio depois da primeira visita, voltava a receber o Campos no Estádio do Avelar. Dessa vez para jogar uma final.
Os dois melhores times da competição frente a frente numa decisão. E tem mais: com vários clubes em situação financeira delicada, as últimas rodadas da Série C passaram a registrar muitos casos de W.O., incluindo as duas últimas partidas do Pérolas Negras como mandante – Brasileirinho e Heliópolis não conseguiram cumprir suas obrigações. A final de ontem contra o Campos era, portanto, a primeira partida dos Pérolas em sua casa. A decisão era também uma estreia.
Rafael Paty abre o placar
O Campos era dono da melhor campanha do torneio e começou tentando impor seu estilo. Foi melhor durante os primeiros momentos, mas o Pérolas logo equilibrou as ações e aos 17 minutos fez explodir a torcida: Adriano cobrou escanteio, Jhonathan desviou e Rafael Paty colocou para dentro.
Aos 36 anos, Paty rodou o Brasil como jogador profissional e atuou em Portugal e Coreia do Sul antes de fazer ontem a primeira partida oficial em sua cidade natal. Xodó da torcida por motivos óbvios, correu como um garoto durante 90 minutos sob o sol escaldante. Ao final do jogo não se esforçava para esconder a emoção:
– Tinha tanta coisa passando na minha cabeça hoje que você perde até a noção de espaço, de tempo, de lugar. Jogar Rafael Paty dentro de Paty do Alferes… É um sonho que foi realizado. Minha família, minha esposa, meus amigos, todo mundo aí. É uma coisa inexplicável a felicidade que eu estou sentindo, depois de dezoito anos voltar para jogar dentro da minha cidade.
Todo o elenco dos Pérolas sofreu com o W.O. de 1 de outubro, mas para Rafael Paty o episódio teve um sabor ainda mais amargo:
– Depois de uma estreia frustrada nossa, com W.O., acho que foi o dia mais triste da minha vida… Meus filhos aqui, minha esposa, minha mãe, minhas irmãs. Até hoje a gente fica se remoendo, mas são coisas que só nos motivam mais a trabalhar. A gente sabe a grandeza do projeto.
Paty fala com empolgação do acesso conquistado e da disputa da Série B2 no ano que vem, mas faz questão de dizer que o título está em aberto e que levantar a taça no domingo é fundamental para os Pérolas:
– Novos horizontes estão por vir, caminhos melhores, com essa molecada que a gente tem, o pessoal do Haiti, esses meninos que a gente adotou de verdade e são a base do nosso time. Mas não ganhamos nada. Vamos em busca do título porque o acesso foi bom, mas o título vai ser melhor ainda.
Iago e Adriano ampliam
O gol de Rafael Paty atordoou um pouco a equipe do Campos, que tentava se impor no jogo, e o Pérolas aproveitou o momento para pressionar e tentar ampliar o placar. A blitz deu resultado aos 22 minutos, quando Iago se livrou da marcação e chutou bonito de fora da área para marcar o segundo.
A torcida se levantou quando Tetéu desarmou o adversário já deixando Rafael Paty em condições de marcar. O veterano deu um pique e tanto para ganhar a frente dos zagueiros, sair na cara do gol e tirar do alcance do goleiro, mas a bola resolveu triscar a trave e sair pela linha de fundo em vez de consagrar o camisa 9.
A partir do intervalo o Pérolas Negras diminuiu o ritmo, satisfeito com o resultado, e o Campos não teve fôlego para transformar a posse de bola em chances reais de gol. Parecia que o verão finalmente chegara após um novembro atipicamente frio, e o calor não deu trégua até o final da partida.
Mas nem o calor conseguiu parar o contra-ataque que terminou no terceiro gol dos Pérolas. Richardson arrancou pela esquerda, deixou o marcador para trás e rolou para Adriano concluir – o goleiro ainda tocou na bola mas não conseguiu impedir o tento que deu números finais ao confronto.
Adriano foi o destaque do Pérolas Negras no início da competição, com gols e assistências importantes, mas não marcava desde o jogo de 17 de setembro contra o União de Marechal. Ontem, diante da torcida e numa decisão, não apenas voltou a balançar as redes como infernizou a defesa adversária com dribles e muita velocidade:
– A sensação é a melhor possível. Eu não fazia gol há um tempinho mas vinha sempre fazendo o meu melhor para ajudar a equipe. Hoje graças a Deus consegui jogar bem, com o apoio dos meus companheiros, e para coroar veio o gol. A gente jogar em casa é um diferencial, e estávamos devendo isso ao torcedor.
Global x local
O carinho da população local é uma das grandes conquistas do Pérolas Negras, que quer estreitar relações com o Vale do Café fluminense ao mesmo tempo em que se torna um time mundial de refugiados. O diretor-executivo do Viva Rio, Rubém César Fernandes, acaba de voltar da Jordânia, onde articula para que os Pérolas passem a receber atletas sírios, jordanianos, iraquianos e palestinos além dos haitianos. Ele era mais um a comemorar o estádio lotado:
– A gente está cada vez mais aqui dentro, e isso é muito legal. Em plena quinta-feira e estava cheio, garotada, muita gente jovem. A gente se enraizou, em um ano conseguimos marcar um pertencimento aqui. E aí tem que viajar um pouco na ideia… É pé no chão e os olhos lá no horizonte, é assim que a gente caminha.
O haitiano Elison, lateral direito titular da campanha do acesso, ingressou nos Pérolas Negras no Haiti e veio no ano passado para o Brasil:
– Eu me sinto em casa em Paty. Estou muito feliz e quero agradecer à torcida, a todos. Para mim o time representa uma família. Esse time estava no Haiti comigo e agora eu estou aqui com ele. E vou junto com ele para a Série B.
Fotos: Vitor Madeira
O Pérolas Negras foi criado pelo Viva Rio no Haiti para gerar impacto social. Saiba mais sobre o projeto aqui.