24/6/2016
“É uma mistura de humano com extra-terrestre”. A definição de uma das sete Pessoas com Deficiência (PCDs) feita durante a visita à exposição Comciência, de Patricia Piccinini, na tarde desta quinta-feira (23) ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), foi um dos comentários de estranhamento feito pelos visitantes aos bizarros personagens hiper-realistas esculpidos pela artista plástica australiana de 51 anos.
O grupo frequenta a Vila Olímpica da Penha, espaço da prefeitura que reúne 168 PCDs, coordenado pela ex-atleta de handball Alzira Pires. A visita foi organizada pela parceria do Viva Rio Eficiente com o CCBB. A seleção para a visita, que começou com uma roda de conversa mediada por Mitat Marques e Luan Resende, arte educadores do centro cultural, foi feita de acordo com a disponibilidade dos PCDs.
Parece que apenas Renata Câmara, 41 anos, mãe da jovem Thais, 14 anos, nascida com síndrome de Down, foi capaz de digerir as figuras quase humanas mescladas a verdadeiras aberrações – macaca que amamenta bebê; um verdadeiro ogro dormindo ao lado de um menino totalmente relaxado: “a gente que convive com deficientes descobre criaturas tão diferentes misturadas às pessoas”, desabafou, surpresa com o que acabava de ver .
Mesmo sem qualquer vínculo pessoal com PCDs, nenhum visitante seria capaz de sair da mostra como entrou. Afinal, além do virtuosismo técnico de Patrícia, da mesma escola de seu conterrâneo Ron Muek – cujas monumentais esculturas hiper-realistas foram expostas em 2014 no MAM -, a ousadia de seu trabalho é um soco no estômago. Conforme definição do curador, Marcello Dantas, ela fala de criaturas imaginárias, fantásticas e sua pesquisa é baseada na ciência genética e na análise do comportamento humano.
Segundo Regina Celi da Silva, 60 anos, seu filho Rodrigo, 28 anos, que sofre de retardo, ficou com medo da escultura que mescla o formato de uma flor com um corpo que defeca ovinhos, ornada por cabelos, língua e orelhas. “Gostei de tudo”, resumiu ele com entusiasmo, encantado com sua primeira visita a um museu.
Se alguns chegavam a aparentar até uma certa indiferença diante de figuras tão surreais, Marcos, que também sofre de retardo e como Rodrigo tem 28 anos, registrou cada obra com curiosidade no seu celular: “achei ótimo”, disse com muita convicção.
“Deve gostar muito para dormir assim agarradinho”, comentou com malícia Norma Suely Luz, 54 anos, mãe de Vanessa, 32 anos, portadora de síndrome de Down, diante da escultura Indiviso. O que mais impressiona na obra não é o realismo da disforme criatura feita de silicone, resina, fibra de vidro e acrílico – assim como a maioria das obras -, mas o relaxamento do menino que dorme ao seu lado, sem qualquer vestígio de medo.
“Tudo parece muito real, me sinto tonta”, admitiu Vera Lúcia Keller, 52 anos, mãe de Patrick, 13 anos, portador de Síndrome de Down, impressionada sobretudo com A confortadora, uma menina cheia de pelos em todo o corpo que nina um estranhíssimo bebê.
Parceria
O coordenador do Viva Rio Eficiente, Raphael Esteves, agradeceu a parceria com o CCBB que permitiu a visita: “É importante a promoção e o maior acesso pelos PCDs aos bens culturais”, argumentou.
Na roda de conversa, a dupla de educadores falou sobre o Centro Cultural, comentou a exposição e acompanhou a visita, a todo momento provocando os PCDS: “Essa flor tem uma bundinha que coloca ovos com uma galinha”, brincava Mitat, entre outros comentários bem humorados.
E se eles tiveram a oportunidade de ler a publicação distribuída no CCBB, descobriram que o interesse de Patricia Piccinini pela ciência surgiu quando sua mãe sofreu de câncer. “Mães e filhos povoam seu universo. Os seres abraçam, embalam, amamentam, brincam e acarinham com o olhar. A artista critica o Dr Frankenstein, não por intervir na natureza e criar um novo ser, mas por ter falhado como pai”, diz o texto. Freud explica. Gratuita, a exposição termina nesta próxima segunda-feira (27).
(Texto: Celina Côrtes|Fotos: Lucas Almeida)