Samba e performances de rap que arrebataram os convidados e marcaram a inauguração nesta quinta-feira (02) do CAPS III Paulo da Portela, que vai atender os 18 bairros de Madureira compreendidos na AP 3.3. Um momento de emoção foi o depoimento do paciente Alexandre, autor do conjunto Recaídas, esculturas carregadas de sofrimento. Não por acaso confessou, aos prantos, “tive uma recaída, mas chego aqui e me olham como gente”, seguido por muitos aplausos.
Este é o quinto Centro de Atenção Psicossocial no Rio de Janeiro gerido pelo Viva Rio em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). As demais unidades ficam na Rocinha (CAPS III Maria do Socorro Santos), no Complexo do Alemão (CAPS III João Ferreira Silva Filho), em Bonsucesso (CAPS ad III Miriam Makeba) e Guadalupe (CAPS II Linda Batista).
Dispositivos estratégicos para organização da Rede de Saúde Mental e consolidação da Reforma Psiquiátrica do Sistema Único de Saúde (SUS), os CAPS III, como Paulo Portela, funcionam 24 h, de segunda a segunda, voltado a pessoas que fazem uso abusivo de drogas. A unidade tem seis leitos para internação (o prazo máximo é de 14 dias), recebe uma média de 50 pacientes por dia e possui 284 matriculados (com vínculos).
Entre os convidados, familiares do antológico sambista Paulo Portela (1904-1949), como o sobrinho Sebastião Santos Oliveira, 78, impecável em sua calça branca e camisa listrada. “Ele era ilustrador, um dos fundadores da Portela. Quando faleceu eu estava em sua casa. Ele cantou a noite toda, dormiu e não voltou a acordar”, lembrou.
Segundo a coordenadora, Claudia de Paula, o CAPS já funcionava há sete meses com “internação zero, atendimento em saúde integral também em consultórios de rua”. Alguns pacientes, como Alexandre, foram selecionados para dar depoimentos, entre eles, Rosane. “Só tenho a agradecer ao CAPS, não tem dinheiro que pague”. “Temos que aprender a cuidar, e não a tolher”, acrescentou Margarida Prouf, representante do Conselho Distrital.
Entre os presentes, Roberto Raposo, coordenador geral de atenção primária do CAP3.3 e Hugo Fagundes, superintendente de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). “É muito bom participar de um processo onde as pessoas se reinventam e lidam com a vida como ela é. Toda vida vale a pena”, argumentou Fagundes.
O diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, acrescentou: “O Rio está virando referência como uma solução para as questões da saúde mental”, depois de elogiar as esculturas de Alexandre, “você conseguiu falar tudo com a arte que produziu.” Já o representante da Secretaria Nacional de Política de Drogas (Senad), Leon Garcia, elogiou: “Tudo o que está sendo discutido pelos pesquisadores é feito aqui.”
Alexandre Trino, secretário adjunto de Saúde Mental, observou que o trabalho em rede, como o realizado no CAPS Paulo Portela, tem uma enorme potência, e desejou: “Que esta casa seja produtora de muita felicidade”.
O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, acredita que a integração proporcionada pelo CAPS vai ajudar muito no trabalho do dia-a-dia e lembrou: “A meta do prefeito Eduardo Paes é fazer da Saúde no Rio a melhor do país”.
Na natureza não existe linha reta
Instalada em um antigo casarão no Lins e Vasconcelos, a unidade de Acolhimento Metamorfose Ambulante, de caráter transitório (máximo de seis meses), para pessoas a partir dos 18 anos em tratamento nos CAPS Ad, também foi inaugurada na quinta-feira.
Referência para os CAPS Raul Seixas (Engenho de Dentro), Miriam Makeba (Bonsucesso) e Paulo Portela, o local tem capacidade para 12 adultos. “Como os CAPS de referência atendem pacientes em faixas etárias diversas, nosso público deverá ser mesclado”, explica Olinda Menezes, enfermeira da unidade.
Um dos cinco pacientes internados no local, Jorge Lins, 68 anos, chegou há 15 dias, após uma internação hospitalar provocada por uso abusivo de cocaína, que o afastou da família e o levou a perambular pelas ruas. Hoje ele só mantém contato com uma irmã, mas afirma que conseguiu se afastar das drogas. “Gosto do acolhimento, do jeito como me tratam aqui. Fui muito bem recebido”.
A casa tem quatro quartos, com duas ou três camas. Os pacientes masculinos dormem separados das mulheres. Há espaços para jogos, como pingue-pongue e totó, horta e computadores. Na entrada, um painel com informações sobre cultura e a Galeria Ambulante, que exibe fotografias publicadas em revistas, capas de livros e pensatas, como “na natureza, não existe linha reta”. De acordo com o coordenador da unidade, Rodrigo Carancho, a casa vai atender toda a Zona Norte do Rio.
Rubem César, que também participou da inauguração com Hugo Fernandes e Alexandre Trino, comentou: “As peças vão se montando e os primeiros caminhos aparecem.” Trino informou que hoje o governo federal dispõe de 62 unidades de acolhimento e completou: “Precisamos abrir mais”. Fernandes propôs: “Vamos pensar em um planejamento de ações para nunca mais prendermos pessoas pelo uso de drogas, e sim buscar outras formas para dar suporte a elas”.
(Texto: Celina Côrtes|Foto Vítor Madeira)