Paciente enfrenta ansiedade com poesia

Além de uma forma de expressão artística, a poesia é utilizada como meio de reduzir o consumo de remédios controlados e elevar a autoestima dos pacientes. Na Clínica da Família Felipe Cardoso, administrada pelo Viva Rio, essa experiência tem mostrado efeitos positivos.

Poética até no nome, que significa raios de sol em tupi-guarani, Guaraciara Moreira de Oliveira, 51 anos, moradora da Vila Cruzeiro, substituiu os remédios para ansiedade e nervosismo pela caneta, papel e pela busca da realização do sonho de publicar o primeiro livro. Os responsáveis por essa façanha são os agentes comunitários de saúde Silvio Roberto Gonçalves e Norma Buthers, que trabalham com Guara, como é conhecida, desde 2012. Eles garantem que a poesia tem um efeito positivo no tratamento da ansiedade.

 

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Silvio (centro) e Norma (esq.) acreditam que a poesia teve efeito positivo para Guaraciara (dir.) | Foto: Vitor Madeira

 

“Quando vemos uma pessoa que tem talento e começamos a explorar isto, percebemos que podemos começar a trabalhar outras perspectivas”, conta Silvio. O agente tem um projeto para buscar os talentos da comunidade, assim como fez com Guaraciara. “Essa é a chance para que eles mostrem ao mundo o diferencial. A história de Guara é só o início”.

Inspiração na favela

São tantos os poemas manuscritos e cuidadosamente guardados, que Guaraciara conta com alguns funcionários da unidade de saúde para digitar o material. Até o momento, 153 poemas foram organizados em três grupos para futura publicação.

“A minha escrita é muito espontânea e a inspiração vem do meu cotidiano, da vida na favela, das minhas relações com o outro. Eu sempre ando com um papel e caneta para os momentos de inspiração. Escrevo de corpo, alma e coração. Entrego-me totalmente”, afirma Guaraciara.

A trajetória da poetisa e o amor pela escrita andam juntos. A artista lembra que, nos tempos de escola, quando estudava com Silvio no colégio Leonor Coelho, eles trocaram inúmeras cartas, que ela conserva até hoje. “Tenho uma carta de Silvio do dia 6 de maio de 1982”, diz ela.

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A satisfação por contar histórias levou Guaraciara a começar a graduação e História | Foto: Vitor Madeira

Os amigos chegaram a perder o contato por 20 anos até o falecimento do marido de Guaraciara em 2014. “Foi a poesia e o apoio da unidade que me fez dar a volta por cima, pois entendi que tinha que ficar ‘em pé’ para ajudar o meu filho”, conta Guara, que também começou a estudar História, mas não conseguiu prosseguir os estudos por problemas financeiros.

Foi quando Silvio começou a trabalhar na Clínica da Família Felipe Cardoso que houve a reaproximação. A poetisa afirma que ter contato novamente com o profissional da saúde foi maravilhoso. “Hoje consigo perceber como eu não era espontânea e confiante. Tudo mudou quando tive esse apoio. Isso marcou de forma positiva a minha vida.”, diz ela.

O reencontro possibilitou que Guaraciara recitasse suas poesias durante um almoço para 300 mães, em celebração ao Dia das Mães, na unidade de saúde. “Quando terminei de ler os poemas e as pessoas vieram me cumprimentar, fiquei surpresa porque eu não tinha noção da minha importância. A consideração pelo meu trabalho era tudo o que eu queria na vida”, conta Guaraciara, que depois desse evento já recitou seus escritos em escolas locais.

A lagarta virou borboleta

Enquanto ela comenta sobre seu trabalho, é perceptível notar o olhar de aprovação de seus guardiões – como ela os chama. “É maravilhoso quando você percebe que o seu trabalho ajudou alguém a ser mais seguro e confiante”, celebra Silvio.

A agente Norma Buther acrescenta que o caso de Guaraciara é o começo de uma quebra de paradigma com o Complexo da Penha. Ela mora na Vila Cruzeiro, comunidade mundialmente conhecida por conta da dispersão de criminosos, fortemente armados, fugindo para o Complexo do Alemão, por meio de uma floresta densa. “Estamos tentando mostrar as coisas boas, como a Guará, que vive dentro da comunidade, e transformar a violência em arte”.

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“Estamos mostrando outros lados do Complexo da Penha”, afirma Norma | Foto: Vitor Madeira

Os agentes acreditam que a história de Guaraciara irá incentivar outros moradores a mostrar o seu talento. “As pessoas tendem a olhar para as regiões mais pobres do Rio de Janeiro somente de forma negativa e muitos talentos dessas comunidades são deixados de lado”.

Ao relembrar os últimos quatro anos, Norma afirma que a mudança física e comportamental em Guaraciara possibilitou nela um desejo que até então não existia. A poetisa conclui: “Quero escrever meu nome na história da comunidade”.

(Texto: Flávia Ferreira | Fotos: Vitor Madeira)

 

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