6/3/2018
O Viva Rio diante da Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro
O Viva Rio é plural, diverso por dentro. Já nos primeiros encontros, em 1993, a composição da roda surpreendia. Eram umas 38 pessoas que na maioria não se conheciam. Vinham de cantos diferentes da sociedade. Havia líderes patronais, sindicais e de favela; líderes católicos e evangélicos; acadêmicos e jornalistas, gente das artes e dos esportes; publicitários, donos da grande mídia e representantes de rádios comunitárias. Tinha gente da Zona Sul, Zona Norte e Zona Oeste. A convocação primeira veio do Betinho e do Walter Mattos, então vice-presidente do jornal O DIA. O motivo era o absurdo da violência, como se viu nos massacres da Candelária e de Vigário Geral. O objetivo maior, como aos poucos se pensou, seria resumido em palavras clássicas, como paz, justiça, desenvolvimento humano e integração social. O estilo seria alegre, mesmo em tempos de dor, como se canta no samba. Por isto o nome, “Viva Rio”. Zuenir Ventura, em “Cidade Partida”, contou o seu nascimento.
O Viva Rio muito mudou nesses 25 anos. O movimento transformou-se numa empresa social sem fins lucrativos que serve a 2,2 milhões de pessoas em mais de duzentas comunidades e cinquenta municípios, no Brasil e no Haiti. Guardou, contudo, algumas marcas essenciais. Entre elas a pluralidade, para dentro e para fora da organização. Logrou crescer sem se perder por conta de um certo pragmatismo na abordagem dos problemas. Em vez de protestos que esquentam os ânimos e dividem as posições, insiste na pergunta sobre o que é possível fazer para superar os desafios presentes nos curto e médio prazos. A pergunta seguinte, que às vezes surpreende e incomoda, é como nós da sociedade, que não somos governo, podemos ajudar para que tais soluções aconteçam? Evita engajar-se nos embates políticos e mergulha nos territórios, onde a vida se faz e desfaz. Não nega a relevância dos partidos e das ideologias, mas não se ocupa deles. O Viva Rio funciona em outra dimensão. Com a legitimidade de quem trabalha em serviços essenciais em situações extremas, busca criar pontes e favorecer a comunicação entre os opostos, para que alguma luz se faça para além dos impasses. O Viva Rio não é defesa, nem ataque. É meio de campo que facilita os movimentos ao redor em busca de bens comuns.
É neste espírito que o Viva Rio vem se posicionar frente à intervenção federal nos assuntos de segurança pública do Rio de Janeiro. Reuniu no dia 1 de março conselheiros e fundadores para pensar a respeito, explicitar as diferenças de opinião, que não são poucas, nem pequenas, e buscar uma orientação comum. O texto a seguir foi redigido por um dos conselheiros mais antigos e apoiado pelos demais:
Criado pela sociedade civil fluminense há 25 anos, o Viva Rio desenvolveu e implementou dezenas de projetos de integração, pacificação, qualificação profissional, assistência de saúde e inclusão social não só no Estado do Rio como no Haiti. Se necessário for, a experiência acumulada ao longo deste tempo estará à disposição dos comandantes que lideram mais esta iniciativa de combate à criminalidade e de restabelecimento da segurança pública no Rio de Janeiro.
O Viva Rio entende que as populações de baixa renda que vivem nas áreas controladas pelo crime organizado – ou próximo delas – são as mais sacrificadas. Sugere, portanto, que as incursões militares que se fizerem necessárias tenham como prioridade a segurança destas populações assim como a recuperação duradoura de sua integridade e dignidade de cidadãos.
A exemplo da maioria dos cariocas e fluminenses, o Viva Rio torce para que essa operação seja bem-sucedida. Os territórios ocupados pelo crime organizado terão que ser resgatados e o comando do crime organizado neutralizado. Caso contrário, a desordem e a violência só recrudescerão quando a intervenção se encerrar em 31 de dezembro vindouro.
Assinam Conselheiros e Fundadores, em 6 de março de 2018
Arnaldo Cesar Ricci Jacob – Jornalista
Bernardo Sorj – Sociólogo
Edmar Bacha – Economista
Eduardo Eugênio Gouveia Vieira – Empresário, Presidente da FIRJAN
Elisio Medeiros Pyres Filho – Publicitário
Joaquim Falcão – Advogado
Jorge Hilário Gouveia Vieira – Advogado
Lusmarina Campos Garcia – Pastora Luterana
Miguel Darcy de Oliveira – Cientista Político e Diplomata
Osmar Vargas – Comunicador, Liderança de Favela
Pedro Penna da Rocha – Advogado
Rogério Dardeau – Advogado
Rubem César Fernandes – Antropólogo
Sebastião Santos – Jornalista, Liderança em Movimento pelos Direitos Humanos na Baixada
Simon Schwartzman – Sociólogo
Walter de Mattos Junior – Jornalista, Proprietário e Diretor do jornal Lance
Zelito Viana – Cineasta
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Feita esta declaração, este espaço será atualizado com as visões de pessoas próximas ao Viva Rio.
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“A utilização das tropas no contexto da violência urbana do Rio já vem acontecendo há bastante tempo. Do ponto de vista do Exército, a experiência haitiana legitima e dá mais confiança no sentido de ter uma ação mais efetiva na segurança pública. Mas, do ponto de vista estratégico, o simples fato de ter tido essa experiência não garante o sucesso. As realidades são diferentes.”
Trecho de entrevista concedida à Folha de S. Paulo por Pedro Braum, coordenador do programa de segurança do Viva Rio Haiti, criado em 2010 para dar suporte à ONU e ao Exército Brasileiro na Missão de Paz no país caribenho. Veja a entrevista completa aqui.
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7 passos para lidar com a crise da segurança pública:
- Descriminalizar o uso de drogas
- Fornecer título de propriedade aos moradores de comunidades
- Desapropriar o necessário para que haja mobilidade dentro das favelas
- Assumir a favela como um bairro com todos os serviços públicos à disposição dos moradores
- Anistia geral ampla e irrestrita com proteção a quem quiser sair da marginalidade
- Repressão em todos os níveis a quem portar arma de fogo com especial atenção às armas de guerra
- Garantir aos policiais salário digno e proteção vitalícia a sua família em caso de morte violenta seja em combate ou não
Zelito Viana, Cineasta e um dos fundadores do Viva Rio