“Imagino algo parecido com o modelo da Casa Viva”, afirmou o vice-prefeito e secretário de Desenvolvimento Social, Adilson Pires, na oficina Maternidade, Gênero e Acolhimento, realizada na quarta-feira 04, no salão Pablo e Ana do Viva Rio. O encontro discutiu a criação de uma casa para acolher mulheres grávidas que fazem uso abusivo de crack, e alternativas tanto para as mulheres como para as crianças em situação de extrema vulnerabilidade social.
Entre os 68 participantes havia autoridades da área da saúde, assistência social, justiça e sociedade civil dos âmbitos federal, estadual e municipal, e profissionais que trabalham na rede de atenção do Rio de Janeiro.
Mais que uma simples “casa” ou alternativa de acolhimento, os presentes expressaram o desejo de construir, para esse público extremamente marginalizado e vulnerável, uma oportunidade para repensar a vida e oferecer escolhas.
O diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, detalhou o trabalho já feito pelo Viva Rio na rede que chamou de Via Brasil. “Há todo um esforço que já acontece em termos de abordagem da população em situação de rua e que usa drogas demais”, esclareceu.
Segundo ele, já existe capilaridade suficiente para que o problema seja atacado onde está: são 380 equipes de Saúde trabalhando com a questão do uso abusivo de drogas, além de sete UPAs (na emergência de atenção a drogas) e dois CAPS-AD. “Também há muito sucesso no trabalho das Casas Vivas, onde os moradores participam da gestão”, informou. E lembrou que o tema será estendido à área da Segurança, que se reúne nesta quinta-feira 05 no Viva Rio.
Após muitas discussões, Alexandre Trino, representante do Ministério da Saúde, chamou a atenção para a importância da atuação do Judiciário em relação a essas mulheres. ‘É um ponto nevrálgico”, definiu.
Para Rurany Ester Silva, da secretaria de Políticas Públicas da Mulher da Presidência da República, o projeto vem “para essas mulheres conseguirem criar seus filhos não planejados, como alternativa para a melhoria de vida”. Jadir de Assis, do ministério de Desenvolvimento Social, chamou atenção para a importância da intersetorialidade para o sucesso da iniciativa, referindo-se à participação no encontro de representantes do governo federal, do estado, município e sociedade civil de diversas áreas de atuação.
Ana Rocha, secretária municipal de Políticas para as Mulheres, destacou a importância de se criar condições para a mulher que vive na rua, usuária de crack, desenvolver a maternidade com sua autoestima garantida. “É um problema muito complexo e este formato de oficina permite o aprofundamento do tema”, avaliou. Também participaram da mesa de abertura Helena Fonseca, secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Nelma Azeredo, subsecretária de estado de Assistência Social e Patrícia Miranda, representando o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz.
Várias gestações
Durante o painel “O processo de Vinculação ao Serviço”, Aline Peçanha, diretora da Unidade de Reinserção Social, o abrigo de bebês Ana Carolina, explicou que em geral as grávidas moradoras de rua que fazem uso de crack têm de cinco a seis gestações, dizem que não têm casa porque a maioria sofreu abuso sexual e foi expulsa da vida familiar. “Elas encontram um lugar no mundo através da maternidade. Temos que pensar em como fazer desta casa um lugar para tratar dessas questões cruciais. Também é preciso pensar em métodos anticoncepcionais”, alertou.
Segundo pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), realizada em 2013 pela Fiocruz, 45,66% das mulheres estão nas ruas a mais de 30 dias; o tempo médio de uso de crack são seis anos; com uso médio de 17 pedras/dia; 54.04% se consideram solteiras; 55,36% trocam sexo por dinheiro e drogas; 70% fazem sexo sem proteção e 46,63% já sofreu violência sexual. Apresentada pelo moderador do evento, Rodrigo Abel, subsecretário municipal de Proteção Especial, a pesquisa abordou 2.776 pessoas em 2014, entre elas 637 mulheres, 22,95% concentradas nas cenas de uso.
“Que não seja uma prisão”
Na segunda mesa formada durante o evento, Adele Capistrano, coordenadora de Saúde Mental do Ministério da Saúde, destacou a importância de incluir os movimentos sociais na discussão, assim como a Convenção da Pessoa com Deficiência. Ao seu lado, Esther Vilela, coordenadora de Saúde da mulher do ministério da Saúde, chamou a atenção para como fazer uma casa “que não seja uma prisão e um lugar de sofrimento, ajustado para pessoas humanas”, em resposta a comentários sobre mulheres cerceadas de sua liberdade em abrigos que criam restrições ao envolvimento com parceiros, por exemplo.
Também participante da mesa, Marcelo Pedra, do departamento de Atenção Básica do ministério da Saúde, questionou qual seria o perfil desta casa, proposta iniciada pelo cuidado à grávida, somado à atenção ao bebê e também do companheiro, figura muito rara segundo a experiência de Aline Peçanha, do abrigo Ana Carolina. Christiane Sampaio, assessora de Álcool e Drogas da superintendência de Saúde Mental do Município, lembrou a importância de garantir a essas mulheres o acesso aos exames pré-natais e sugeriu: “a oferta deveria ser: ‘venha conviver, e não se abrigar’.”
“O que baliza o trabalho é o vínculo e o afeto”, propôs Tatiana Reges, diretora do abrigo de família do município, Unidade de Reinserção Social Maria Teresa. Ela citou o exemplo de três mães que optaram por fazer abstinência para poderem amamentar seus bebês, os quais estavam sob ameaça de serem enviados à adoção pela Justiça.
“Não se pode desconsiderar a fiscalização do judiciário”, argumentou Tatiana, que conseguiu dar a volta por cima nas decisões judiciais ao sustentar a bem sucedida atitude espontânea das mães.
(Texto: Celina Côrtes|Fotos: Tamiris Barcellos)