A migração dos haitianos para o Brasil deu um salto de 1250% após terremoto, em 2010, que marcou a história do Haiti, provocou a morte de 240 mil pessoas e deixou mais de 1,5 milhão desabrigados na capital Porto Príncipe. O crescimento dessa mobilidade e os seus efeitos na sociedade brasileira foram discutidos nesta terça-feira (19), na sede do Viva Rio, durante o Circuito Haitiano de História e Arte.
O professor de Antropologia do Museu Nacional, Federico Neiburg, acredita que a chegada da diáspora haitiana auxiliou nas discussões sobre a reformulação do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), transformando-o no Projeto de Lei do Senado (PLS) 288/2013, que institui a Lei de Migração, regula a entrada e a estada de estrangeiros no país e estabelece normas de proteção ao emigrante brasileiro.
Neiburg informa que o PL procura dar um tratamento humanitário à questão da migração. No caso do Haiti, a mobilidade em busca de melhores condições de vida existe desde o final do século XIX. “Quando os haitianos chegam ao Brasil, eles protagonizam mudanças (consideráveis) em seu circulo familiar”.
O Banco Mundial (2011) estima que aproximadamente 10% da população do país tenham saído do país (1.009.400 pessoas), mas outras fontes indicam que a diáspora haitiana já teria ultrapassado a casa de 3 milhões de pessoas. As remessas enviadas por esses migrantes representam aproximadamente 25% do PIB do país e estão estimadas, pelo Banco Mundial, em 1,5 bilhão de dólares.
O embaixador do Haiti, Madsen Chérubin, acrescentou que a maioria da força de trabalho haitiana no Brasil é formada por motoristas, carpinteiros, mecânicos, eletricistas, professores da área da computação e trabalhadores da área de estética. Dados da Organização Internacional da Migração (IOM – sigla em Inglês) apontam que parte desses trabalhadores está na Construção Civil (30%), na Indústria Alimentar (12%), no Comércio (6%), no segmento doméstico (2%) e 26% estão desempregados. São divididos em 90% de homens e 10% de mulheres.
O diplomata informou que recebe notícias satisfatórias sobre o trabalho que é desempenhado pelos compatriotas. “O haitiano trabalha duro, não porque é de raça, mas porque está aqui (no Brasil) para melhorar as condições de vida e ajudar sua família que ficaram na terra natal”. No entanto, casos de trabalho escravo já foram identificados pela Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro. Coordenadora da instituição, Aline Thuller declarou que as condições de trabalho no Rio de Janeiro são por vezes precárias e discriminatórias.
“Recebo muitas ligações de empresários para contratar haitianos, e muitos justificam que eles são negros e fortes e que por isso conseguiriam fazer o trabalho de carga e descarga de caminhão”, contou Aline. A gestora apontou a documentação, burocracia, idioma, moradia, acesso e condições de trabalho e capacitação profissional como as principais dificuldades dos haitianos atendidos na Cáritas.
Para minimizar as problemáticas recorrentes dessa migração, o Viva Rio criou o portal Haiti Aqui, que auxilia os imigrantes haitianos na integração em terras brasileiras. O site traz informações detalhadas para a obtenção de documentos como identidade, CPF e carteira de trabalho. Além disso, mostra um pouco da cultura caribenha para os brasileiros através da programação “Voz do Haiti”, da Rádio Viva Rio, que transmite diversos programas produzidos e elaborados por haitianos.
Diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes afirmou que a proposta do portal é contribuir para reverter as imagens negativas que marcaram a história do Haiti. “O Viva Rio está valorizando a relação com a diáspora para construir uma história que demonstre a vitalidade desse povo”.
Em fala emocionada, o presidente da Associação Haitianos Cariocas, Yvior Jacques, informou que o foco da organização é promover a cultura haitiana no Brasil e prestar apoio aos imigrantes no Rio de Janeiro. “Queremos integrar os povos e criar um intercâmbio cultural entre o Brasil e o Haiti”. O ator e ativista do movimento social negro Milton Gonçalves levou a questão racial para a discussão.
“Somos metade da população brasileira, mas muito ruins em nos organizar para lutar por melhores oportunidades de trabalho e por mais cargos de autoridade à frente desse país”, disse Gonçalves.
O encontro é parte das celebrações do Circuito Haitiano de História e Arte, realizado nos dias 18, 19 e 30 no Rio de Janeiro e até o dia 22 em São Paulo, que vai promover a cultura e a história do país caribenho, bem como debater a diáspora haitiana no Brasil. A ação conta com o apoio da Embaixada do Haiti, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, da Universidade Zumbi dos Palmares, do CineAfro e do Núcleo de Pesquisa em Cultura e Economia (NuCEC) do Museu Nacional.
Desde 2004, o Viva Rio atua no Haiti para promover a mediação de conflitos e a inclusão social no país.
(Texto: Flávia Ferreira |Fotos: Tamiris Barcellos e Amaury Alves)