Somente 2% dos assassinatos cometidos no México resultam em condenações. Os 98% restantes, mortes em boa parte relacionadas à guerra do tráfico, jamais chegam a ser investigados. Essa informação ajuda a entender porque quase a metade dos presos do país cometeu delitos menores, sem uso da violência: 46,7% dos encarcerados mexicanos estão nessa situação, e oito entre dez deles jamais viu um juiz.
As informações foram divulgadas pelo professor da Naval Postgraduate School, Arturo Sotomayor que esteve no Brasil e falou a convite da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (IMM/ECEME), no Rio de Janeiro, no dia 18 de setembro, sobre a guerra às drogas no México, suas causas e efeitos.
O México é o segundo país mais violento do mundo, segundo ranking da Organização das Nações Unidas (ONU). Perde apenas para o Brasil em número de cidades mais violentas entre as 50 onde mais se mata. O pesquisador atribui o aumento da violência no país à proliferação e fortalecimento dos cartéis das drogas. Mas isso não é tudo: a ineficácia e a incompetência do sistema de segurança pública são problemas graves que também contribuem para o tráfico.
Apesar de refutar a polêmica tese difundida por um relatório de 2008 do Pentágono, de que o México seria um Estado falido, diante das informações alarmantes, Arturo reconhece a crise. O recrudescimento da violência e a grave deficiência das instituições mexicanas contribuíram para transformar o país em um dos mais violentos do mundo e da América Latina.
Entretanto, indagar até que ponto a violência está enraizada na cultura do país também é necessário para Sotomayor. “A brutalidade marca nossa história política. Mas a proliferação e o fortalecimento dos cartéis das drogas e o aumento das agressões do Estado contra o cidadão não deixam dúvida: as políticas de guerra ao narcotráfico e de segurança pública, essas sim estão falidas”, afirmou.
Para o pesquisador, os números mostram que o aumento da taxa de homicídios desde o ano de 2007 acompanhou o fortalecimento dos cartéis. “Nos anos 90, a luta se travava na Colômbia, que viu suas grandes organizações criminosas serem desmanteladas”, lembrou. “A proliferação destes grupos no México, a ineficácia do sistema de segurança pública, a impunidade e o contrabando de armas são os fatores que juntos nos ajudam a entender o ponto em que chegamos”, explicou.
As exigências de controle das fronteiras feitas pelos Estados Unidos ao México são conhecidas mundialmente. Sotomayor afirmou que, ironicamente, é o México que sofre com a entrada ilegal de armas em seu território, vindas majoritariamente do vizinho americano. Quase três milhões de armas entraram ilegalmente no país vindas dos EUA em 2005, de acordo com levantamento de ONG mexicana.
A violência é maior onde o Estado está mais presente: mata-se mais nas cidades onde a presença das forças do governo é mais expressiva.
Apesar disso, a população apoio o uso da força, inclusive do exército, no combate ao tráfico. A sensação de insegurança é generalizada. “A segurança pública ainda é majoritariamente encarada pelo viés da militarização. O governo do país está, ainda que erroneamente, atendendo a uma demanda que está na sociedade”, analisou.
Sotomayor destacou que o México precisa passar por reformas urgentes. “As prisões estão lotadas. A solução passa pela descriminalização e mais ainda por uma reforma institucional profunda, do sistema de justiça, militar e criminal”, disse.
Ao comentar o recente anúncio da presidente Dilma Roussef da permanência das tropas do exército no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, Arturo fez um alerta. Ele lembrou que, no México, também se alegou que o uso das tropas nas cidades, sua atuação no combate à violência e ao tráfico, seria uma medida temporária. “Estão lá até hoje”, ironizou. Arturo lembrou que hoje essa presença se converteu em mais um grave problema de segurança pública na guerra que só se agravou com o surgimento de grupos civis armados que se espalham pelo país.
(Texto: Renata Rodrigues / Foto: Divulgação)