1/4/2016
Furdunço é sinônimo de bagunça popular. Foi isso que aconteceu no fim da tarde de quinta-feira (31) na Unidade de Acolhimento Adulto (UAA) Metamorfose Ambulante, no Engenho de Dentro, zona Norte. Médicos, funcionários e usuários montaram um bar com música ao vivo para receber o público, com muita improvisação e capricho.
Na realidade, o evento foi quase um furdunço. Isso porque dois fins de semana de capacitação para todos foram suficientes para que tudo funcionasse como num bar de verdade, a começar pelo cardápio de comida de boteco, que nada deixava a dever aos estabelecimentos profissionais.
“É um projeto piloto para envolver os usuários e mediar a relação deles com o mundo”, propõe o criativo coordenador Rodrigo Carancho, que literalmente foi um dos que vestiram a camisa – azul turquesa com ilustrações em vermelho -, feita com os recursos da rifa do ventilador que ele mesmo doou ao projeto.
Tudo aconteceu na base do improviso e das parcerias. Um bar vizinho cedeu as toalhas de xadrez vermelho; o Centro de Convivência e Cultura, Trilhos do Engenho, as mesinhas e os próprios usuários – 12 atualmente, com idade média de 40 anos – economizaram na alimentação fornecida pela empresa contratada pelo Viva Rio, a Première, para oferecer aos clientes iguarias como Linguiça Toscana Acebolada (R$ 5): Iscas de Carne bem temperadas (R$ 6) e Frango à Passarinho (5), entre outras.
Segundo Carancho, a venda arrecadada será dividida entre os usuários e a próxima edição. “O projeto tem uma pegada de inovação e mostra que os usuários podem mais”, empolga-se, acreditando que o Furdunço pode reduzir a marginalização em que vivem essas pessoas. E nada aconteceu por acaso. “Foram dois meses de planejamento que reuniu usuários e funcionários, algo emocionante”, descreve, entusiasmado.
Entre eles estava José, 46 anos, acolhido há quatro anos no Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) Raul Seixas, no Encantado, na zona Norte, vizinho ao UAA, também parceiro no evento. Considerando-se recuperado dos tormentos provocados pela doença e morte da mãe, que o levaram ao consumo abusivo de álcool e cocaína, foi ele quem emprestou o sofisticado equipamento de som. “Já fui mecânico de avião, corretor de imóveis, vendedor e estampador. Também queria trabalhar como DJ, mas tive muitos aborrecimentos”, relata, absorvido em comandar a música da happy hour.
Cada um fez a sua parte
A auxiliar administrativa Luiza Almeida soltou a voz acompanhada pelo pai, Seu Itamar, na guitarra. Carlos, 18 anos, que chegou ao Rio na carona de um caminhoneiro aos 8 anos, fugindo das surras que levava do irmão, no Espírito Santo, cuidava das bebidas – nessa edição, só suco de frutas e refrigerantes. Ele foi parar em uma cena de uso de crack, droga que conseguiu largar aos poucos, embora tivesse crescido em abrigos. “Estou no UAA, frequento uma escola e procuro trabalho”, resume, compenetrado.
A copeira Vanessa Rodrigues, 35 anos, pilotava as frituras, confeccionadas com uma fritadeira emprestada. “Espero que os visitantes gostem de nós e voltem nos próximos eventos”, comentou. O psicólogo Márcio Tavela, 31 anos, estava à vontade como garçon: “É uma experiência que me leva a outro lugar”. E a enfermeira Olinda Menezes cuidava do caixa, que não recebia cartões. “Virei dublê nas horas vagas”, brincou, pegando carona no clima alegre e descontraído que imperou no evento.
Carancho se inspirou na experiência da Suricato, unidade da rede de saúde mental de Belo Horizonte, que criou um restaurante aberto ao público nos fins de semana. “No Rio somos pioneiros”, frisou.
As UAA são espaços da Rede de Atenção Psicossocial do município, sendo a Metamorfose Ambulante co-gerida pelo Viva Rio. A unidade oferece acolhimento transitório a usuários de álcool e outras drogas.
(Texto: Celina Côrtes|Fotos: Paulo Barros)