O município do Rio de Janeiro tem um total de 5.580 pessoas em situação de rua, dentre as quais 75% não concluiu o ensino fundamental, 40% não tem carteira de identidade e 50% não tem CPF. Os dados foram divulgados pelo subsecretário de Desenvolvimento Social, Rodrigo Abel , durante o fórum “Igreja, Cidade e População em Situação de Rua”, nesta quinta-feira. O encontro também contou com a presença do Diretor Executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, e do pesquisador Jorge Muñoz.
A pesquisa faz parte de um estudo inédito realizado pela prefeitura do Rio de Janeiro que mapeou onde estão, quantos são e quem integra essas populações. O subsecretário afirmou que uma das maiores dificuldades no trabalho com moradores de rua é a recuperação de vínculos, principalmente se estiverem há muito tempo na rua. “Eles já estão minimamente estabilizados naquela situação, pois já sabem onde comer, os locais para dormir e tomar banho”.
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Rodrigo Abel acredita que a mudança na abordagem com a população em situação de rua é o primeiro passo para criar uma politica mais eficaz
Esse problema não nasceu no mundo moderno, mas foi intensificado na medida em que a população cresceu e o capitalismo se estabeleceu na terra tupiniquim. O pesquisador Jorge Muñoz informou que antes de 1880 já havia grupos morando nas ruas, na maioria pessoas que apresentavam problemas de saúde e perturbações mentais. Com a abolição da escravatura, em 1888, vieram os escravos que por não terem dinheiro para se manter acabaram por integrar esse grupo.
Nos anos de 1950, o sotaque nortista e nordestino também passou a fazer parte das ruas. Sem oportunidades de trabalho e condições de retornar a terra natal, passaram a adotar as vielas como a segunda casa.
Muñoz acrescentou que o desemprego, a dependência química e os conflitos familiares também se incluem nos fatores que levam uma pessoa para a rua. “As grandes rupturas são alavanca para tirar um indivíduo de casa. Quando vínculos se quebram, ficamos debilitados”.
Assim como Abel, Muñoz apoia a mudança na abordagem. “Precisamos investir em um equipamento que possibilite a reinserção social, pois o que está no horizonte é resgatar vidas e o espaço na sociedade para esse indivíduo”.
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O pesquisador Jorge Muñoz apresentou um histórico de como surgiram as populações em situação de rua. Ela afirmou que esse é um problema muito antigo
Diretor Executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, acredita que as igrejas também têm um papel primordial no acolhimento dessas pessoas. “Na prática, as pessoas sentem que a igreja é um lugar para buscar apoio e que não serão criminalizadas por estarem nas ruas ou fazerem uso abusivo de álcool e outras drogas. Há uma relação de confiança”.
Rubem indica que existe uma necessidade de aproximação das igrejas com o sistema de saúde para romper preconceitos que ainda circundam a relação. “Gostaríamos de ajudar a promover e aproximar esses atores. Estamos aqui para apoiar essa proposta”.
Novas estratégias
O município do Rio de Janeiro, em parceria com o Viva Rio, repensou esse modelo de assistência focado nos jovens, principalmente para os que fazem uso abusivo de crack. Apostando em um modelo que busca o resgate de memória e a autonomia, foi criada a Casa Viva. “A retomada de vínculos e da autonomia desses jovens é o principio básico desse programa, que é reconhecido internacionalmente”, disse Abel.
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Da esq. para a dir. Rodrigo Abel, Ronilso Pacheco, pesquisador do Viva Rio, e Rubem César participaram da mesa de abertura do fórum “Igreja, cidade e população em situação de rua
Ambas instituições também desenvolvem em conjunto o programa Proximidade. A proposta é realizar um trabalho diário de escuta qualificada e compreensão das demandas dos usuários de drogas. “No período em que a população em situação de rua saltava aos olhos, decidimos não seguir a política de limpeza urbana. Pensamos em um modelo que atendia voluntariamente esse grupoo”, disse Abel.
O programa Proximidade, realizado desde 2013 no Parque União, no Complexo da Maré, e na Lapa, já realizou mais de 3 mil atendimentos. Somente na Maré, de acordo com Abel, foram identificados 600 usuários crônicos de drogas e, desses, 300 encaminhados para a rede de atendimento. O modelo foi inspirado na experiência portuguesa, que atua nas cenas de uso de heroína com uma política de redução de danos para que o usuário dessa substância tenha acesso a uma política de tratamento e não criminalização de conduta.
As lideranças de comunidades terapêuticas estiveram presentes para discutir o tema. O encontro contou com a presença de Edvandro Machado, Pastoral Carcerária; Alessandra Amorim, Cristolândia; Marcelo Jaccoud, Primeira Igreja Batista de Campo Grande; e Dom Celso Franco, Diocese Anglicana do Rio de Janeiro.
(Texto Flávia Ferreira / Foto Vitor Madeira)