O Viva Favela, projeto de comunicação comunitária do Viva Rio, prestou uma homenagem a lideranças comunitárias dos anos 1970 e 1980 de favelas do Rio de Janeiro, encerrando a programação da semana “Viva Favela de Portas Abertas”, que aconteceu na sede do Viva Rio, na Glória, e contou com sessão de cinema; exposição de objetos do Museu da Maré; e um debate sobre drogas nos territórios.
“Em muitas comunidades pelas quais temos perambulado, só conseguimos entrar pelas mãos destes senhores e senhoras que aqui hoje estão”. Com essas palavras, o diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, reconheceu o que classificou como o “mais ingrato trabalho existente no planeta”.
Ele lembrou que esta é uma atividade não regulamentada, mas que exige um savoir faire (termo em francês que significa uma maneira certa de saber fazer) que, segundo ele, só se aprende vivendo. Em seguida, questiona: “Que futuro vocês estão imaginando? Para quem vive nesta cidade hoje, esta é uma pergunta difícil de ser respondida. É importante lembrar que a favela tem a memória. A memória do Rio de Janeiro está com vocês”, diz Rubem César, referindo-se ao nome do projeto do Viva Favela que resgata as histórias, personagens e imagens das comunidades cariocas.
A resposta é dada pelo presidente da Associação de Moradores da favela do Cantagalo e diretor de Patrimônio da Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro, Luiz Bezerra “Esta é uma luta que gente só para quando morre”, disse Bezerra, arrancando aplausos.
Colaborador do Viva Rio desde 1996, e hoje articulador nos territórios de Acari e adjacências, foi Jocelino Porto quem insistiu com a iniciativa de homenagear outros líderes comunitários, como ele próprio. “A mídia só foca nas más notícias sobre a favela, esquecendo-se de como as lideranças comunitárias se articulam, se mobilizam e fazem acontecer”, alertou.
A juventude foi representada pelos fotógrafos Tamiris Barcellos e Amaury Alves e estagiária Andressa Cabral integrantes da equipe Viva Favela que nasceram e foram criados em favelas. Andressa lembrou que, antigamente, não existiam recursos tecnológicos nem redes sociais, grandes facilitadores para o trabalho dos comunicadores comunitários, o que torna ainda mais respeitável a luta dos mais velhos. “Você nos inspiram em tudo o que fazemos para caminhar junto com vocês”, complementou Amaury, morador do Santa Marta.
Líderes comunitários do Pavão-Pavãozinho, Maré, Palmeirinha, Batan, Rocha Miranda, Honório Gurgel, Chapéu Mangueira, Cruzada São Sebastião, Cantagalo, Coelho Neto, Vila Canoa entre outras favelas aplaudiram-se e reverenciaram-se uns aos outros. Alguns, já falecidos foram mencionados. A assistente administrativa do Viva Favela, Carolina Telles, reforçou que todos os presentes destacaram-se pela liderança, pela militância e por lutar pela garantia dos direitos de todos. “Se hoje não está tão bom, poderia estar muito pior, se não fosse o legado que os senhores e as senhoras construíram. Obrigada por tudo o que fizeram”.
Legado em educação, por exemplo, cuidadosamente erguido por Francisca Elisa Pinozi, líder comunitária da Rocinha. “Temos um convênio com a Pontifícia Universidade Católica (PUC) e a Cultura Inglesa, que distribui 500 bolsas em cursos de inglês por ano aos moradores da Rocinha. Muitos foram para Cambridge. Hoje, temos muita gente formada não só na PUC, mas em outras universidades”, orgulha-se.
“A Rocinha é o primeiro bairro com uma cobertura de 100% em saúde da família”, informou a gerente do Centro Municipal de Saúde (CMS) Dr. Albert Sabin há 33 anos. Chamada de “secretária de Saúde da Rocinha” pelo coordenador do Viva Favela Carlos Costa, Maria Helena Carneiro também esteve ali representando Seu Antônio, que apareceu em um vídeo gravado contando sua trajetória.
A homenagem especial foi feita a um jovem líder comunitário, também morador da Rocinha e colaborador do Viva Rio, no projeto Viva Favela. “O caso de William de Oliveira simboliza a falta de respeito e a covardia que o poder público é capaz de cometer contra um líder comunitário”, disse o coordenador do Viva Favela, Carlos Costa. Após passar 18 meses preso aguardando julgamento por ter sido acusado de associação ao tráfico de drogas, William foi absolvido no final do ano passado e, segundo Carlos, é o integrante mais querido do projeto.
Embora admita que vai levar tempo para se recuperar dos danos que sofreu pelo tempo que passou afastado da família, William optou por deixar uma mensagem positiva: “Aqui estão as pessoas que verdadeiramente lutam pelo desenvolvimento do estado do Rio de Janeiro e da sociedade porque doam o melhor que têm para tentar melhorar a vida do próximo. Por isso, são pessoas que respeito, admiro e sigo”.
(Texto: Sol Mendonça. Fotos Walter Mesquita e Tamiris Barcellos)