Juristas debatem atrasos e avanços sobre drogas

“Espero que o Supremo possa ter a compreensão necessária e que cumpra sua função de defensor da liberdade e da dignidade humana e dos direitos constitucionais”, declarou o jurista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Cruz Bottini, durante o lançamento de seu livro Porte de drogas para uso próprio e o STF, na segunda-feira (22), na Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

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Pierpaolo Bottini lança seu livro sobre drogas no Rio de Janeiro | Foto: Paulo Barros

Na última quinta-feira (18), o ministro Gilmar Mendes liberou para ser julgado seu voto referente ao Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que trata da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. Recentemente, a Defensoria Pública de São Paulo também entrou na reflexão.

O defensor público-geral do Estado do Rio de Janeiro, André Castro, iniciou o debate revelando que, de 2008 para cá, houve um aumento de 43% dos presos no Brasil e que os números no Rio de Janeiro não se diferenciam muito. Ao lado da presidente do Conselho de Igrejas Cristãs do Rio de Janeiro, Lusmarina Campos Garcia, e do diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, André comentou: “Quando observamos este aumento vertiginoso e sabemos que o número é relacionado a drogas e aos  jovens negros, pobres e moradores de comunidades, perguntamos: com esta política de drogas temos uma sociedade  melhor e mais segura? Todos concordamos que não melhoramos quanto à  segurança pública do nosso país”. Castro destacou o trabalho do Viva Rio, que nas palavras dele “vêm tratando do tema com uma nova abordagem, de forma ampla e séria”.

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André Castro apontou o número vertiginoso de presos relacionado às drogas | Foto: Paulo Barros

 

“A Constituição se baseia na liberdade religiosa, política e sexual. A atual política de drogas fracassou porque é baseada em uma visão míope e tacanha”, critica Bottini. São falhos os argumentos que tentam afirmar que a descriminalização das drogas financiaria e incentivaria o tráfico ou estimularia a prática de um crime (furto ou roubo, por exemplo) para manter o vício. “Punir alguém porque esta pessoa pode vir a praticar outro crime é perigoso. Esta ‘futurologia’ baseada na previsão de uma estatística é a afirmação de um direito penal totalitário”, complementou Bottini.

Do ponto de vista da construção de uma política pública voltada para a droga, ele  lembra que nos países onde o uso de drogas não é criminalizado  o Estado está alheio, mas, ao contrário, fica mais próximo do usuário.

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Lusmarina informou que o Conselho Nacional de Igreja Cristãs não tem um parecer definitivo sobre a questão. Ela enfatizou  a posição conservadora e contrária da Igreja à descriminalização, seguindo o princípio da proteção dos usuários dependentes de drogas. A pastora propôs uma reflexão: “A criminalização do porte de drogas acaba colocando o universo das drogas na ilegalidade, o que fomenta práticas muito mais violentas e com consequências bem mais cruéis para a população. Ela lembrou a necessidade de se distinguir o usuário do traficante para que se alcance uma visão mais aprofundada do assunto, o que não é possível com a criminalização, impedindo a construção de um debate claro sobre um tema que permanece no obscurantismo.

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Lusmarina acha que a criminalização do porte de drogas fomenta práticas mais violentas e consequências cruéis para a população | Foto: Paulo Barros

Já o defensor público-geral André Castro lembrou que o Supremo Tribunal Federal não pode fazer o papel de legislativo e de executivo, ou seja, o STF foi chamado a dizer se o artigo 28 é ou não constitucional, mas que não pode entrar no mérito de distinguir o usuário do traficante. Isto é papel do juiz.

Defensores públicos criaram um grupo para pensar estratégias e construir um habeas corpus coletivo que ajude a libertar pessoas presas por portar drogas.

 “Estamos muito atrasados”

Entre entidades com representatividade adequada para se manifestar em causas em que o valor constitucional é questionável, o Viva Rio entrou no processo como “Amicus Curiae” – “Amigo da Corte” – para contribuir com argumentos jurídicos e políticos, que foram compilados no livro e comentados pelo jurista.

 

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Para Rubem César, a nova visão do STF é considerada um marco para se começar a trabalhar | Foto: Paulo Barros

Para o diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, esta nova visão do STF poderá ser considerada um marco para se começar a trabalhar, já que não é possível falar com liberdade e responsabilidade de um assunto considerado tabu “Nosso sistema penal é incapaz de tratar desse tema de forma eficiente. Ainda predomina no Brasil a mentalidade de que se a pessoa viciada é próxima a mim, se é meu filho ou outro familiar querido, a ela deve ser oferecido todo o cuidado possível. Se for desconhecida e  ‘cara’ estranha a meu grupo social, então quero mais que vá para a cadeia”.

Assine o abaixo-assinado

Um abaixo-assinado digital produzido pelo Viva Rio que endossa o ofício enviado em 2013 ao ministro relator Gilmar Mendes, assinado por sete ex-ministros da Justiça dos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e por Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) convoca os setores jurídico e criminal a apoiar o argumento.

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Bottini autografa um livro ao lado do defensor-geral do Rio de Janeiro | Foto: Paulo Barros

 

Os ex-ministros Márcio Thomaz Bastos, Nelson Jobim, José Carlos Dias, José Gregori, Aloysio Nunes, Miguel Reale Junior e Tarso Genro defendem o argumento constitucional de que “cada cidadão tem liberdade para construir seu próprio modo de vida desde que respeite o mesmo espaço dos demais” e que “não é legítima a criminalização de comportamentos praticados dentro da esfera íntima do indivíduo que não prejudiquem terceiros”.

Clique aqui e assine o abaixo-assinado pela descriminalização do porte de drogas para uso próprio

Na ocasião, os signatários classificaram a guerra às drogas como “um fracasso” e apontaram que “tratar o usuário como cidadão, oferecendo-lhe estrutura de tratamento, por meio de políticas de redução de danos, é mais adequado do que estigmatizá-lo como criminoso”. Os ministros citaram as experiências bem-sucedidas em países como Portugal, onde, segundo Bottini, com a  anulação da proibição do consumo de drogas, o número de usuários de heroína caiu 50%.

(Texto: Sol Mendonça | Fotos: Paulo Barros)

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