“Gingando Pela Paz” completa cinco anos no Haiti

Há 13 anos, enquanto vasculhava um galpão, o mestre Flávio Saudade encontrou uma cartilha de empreendedorismo social e fez dela seu livro de cabeceira. O estudo deu origem ao “Gingando Pela Paz”, projeto do Viva Rio Haiti que ensina a filosofia da capoeira a crianças e jovens carentes. A empreitada chega ao quinto aniversário comemorando o prêmio internacional no Fórum Educasport, realizado no último mês de novembro em Paris, e repleta de planos para o futuro.

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O mestre de capoeira Flávio Saudade fala sobre o “Gingando Pela Paz” durante o Fórum Educasport, realizado na França

Com a intenção de expandir a cultura da capoeira para outros bairros de Porto Príncipe ainda em 2014, o projeto terá a ajuda valiosa de seus primeiros alunos, agora na condição de monitores. Segundo Flávio, a ideia é que eles sejam os futuros instrutores do “Gingando”.  “As atividades práticas de monitoria vão reforçar todas as lições que aprenderam enquanto discentes”, explicou.

Além da apresentação da ”nova geração”, o “Gingando Pela Paz” reserva outra surpresa para este mês. Flávio Saudade e sua trupe lançarão CD com músicas compostas no período pós-terremoto, em 2010.  “Foi uma época crítica, em que 1500 pessoas passaram a habitar Kay Nou [centro de formação administrado pelo Viva Rio no Haiti]. Tentávamos aliar a capoeira a outras atividades para minimizar os traumas, principalmente os jovens”, contou.

Nada mal para uma iniciativa que chegou ao Haiti com o objetivo de atender o pequeno grupo das “crianças-soldado”, recrutadas por gangues que disputavam o poder na capital. A notícia da “nova dança” logo se espalhou pela cidade e outros jovens – não envolvidos em situação de violência – manifestaram interesse em participar da atividade. À época, houve resistência em misturar os dois grupos. “A capoeira prega, sobretudo, a inclusão. Não podíamos discriminar esse ou aquele menino. Resolvemos juntar todos e, em poucos meses, o espaço estava lotado”, recordou o mestre.

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Meninos haitianos aprendem a filosofia da capoeira

Pode-se dizer que a história de vida de Flávio guarda semelhanças com a de seus pupilos haitianos. Natural de São Gonçalo, ele cresceu próximo à criminalidade, “ouvindo disparos de armas de fogo e vendo vizinhos serem vítimas da violência armada”. Chegou ao Viva Rio através do projeto Serviço Social Voluntário, que lhe proporcionou a conclusão dos ensinos Fundamental e Médio. Um ano depois, com o apoio da instituição, levou sua arte para o Conselho Mundial de Igrejas, no Zimbábue. A partir daí, não parou mais, realizando incursões pela Alemanha, África do Sul, Espanha e Irlanda.

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Marcha dos alunos do projeto “Gingando Pela Paz” no Haiti

A experiência internacional preparou Flávio para aquele que seria o maior desafio de sua vida: levar a capoeira ao Haiti. A dificuldade com o idioma foi o principal obstáculo no desenvolvimento do projeto. “Embora tivéssemos um tradutor, a dificuldade de compartilhar a alma do esporte com os alunos era muito grande”, relatou. O tempo, entretanto, garantiu a eficácia na comunicação. “A turma foi compreendendo os valores da modalidade e o impacto que ela teria em suas vidas.”

Segundo o mestre, o país do Caribe o transformou para sempre. “Percebi que, no dia a dia, não existem fronteiras, bandeiras, nações… Somos todos seres humanos; semelhantes até nas contradições.” Com a ampliação do “Gingando Pela Paz” para outras regiões do Haiti, ele pretende aproximar-se cada vez mais do povo que o acolheu tão bem há cinco anos. “Aqui coloquei as minhas melhores qualidades a serviço da população. E elas me retribuíram da maneira mais carinhosa possível. Recebi (e recebo) tudo de volta”, resumiu.

 

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