“Gostaria de agradecer o convite para fazer parte desta mesa tão bonita e tão preta”, enfatizou Thamyra Thâmara, dando início às apresentações de quatro jovens, expoentes em favelas e periferias no Rio de Janeiro e em São Gonçalo onde vivem, por seus trabalhos à frente de Coletivos. Eles participaram da segunda edição do Diálogos Viva Favela, na última quarta-feira (24), na sede do Viva Rio, transmitido em tempo real pelo canal do Google + do Viva Favela.
Com mediação de Francisco Marcelo, atual diretor do Programa “Caminho Melhor Jovem”, da SMDES do Rio Janeiro, no Complexo do Alemão, o encontro reuniu além de Thamyra, de 26 anos; Romário Régis, 25, William da Silva, 26, da Vila Kennedy; e Carla Sicco, 33, que atua em jornal, TV e rádio web na Cidade de Deus.
“Eis a diferença entre a velha guarda e a jovem guarda das favelas”, disse o coordenador do projeto, Carlos Costa, para quem o destaque de ontem foi a presença de um público que não costuma ser visto frequentemente nos eventos do Viva Rio. “Esses jovens falam mesmo, debatem com clareza e sem subterfúgios”, elogiou.
O objetivo do Viva Favela, segundo Costa, foi o de tentar entender o que são os coletivos, o que eles representam, o que buscam e de que forma se legitimam no território e ajudam a fazer a ponte para que outros setores da sociedade possam entender e seguir o modelo de interação destas novas organizações comunitárias.
Francisco Marcelo realça que essas novas organizações alcançaram independência e legitimidade para falar de dentro para fora sem, no entanto, precisarem do intermediários uma instituição que a validem. “Tudo o que fica “encastelado” dificulta a comunicação. A construção de uma rede de interação é importante. Jovens de favelas diferentes se falam, favela conversa com periferia. Isso é importante”.
Romário Régis, da Agência de comunicação Papa Goiaba, coletivo de São Gonçalo, conta que o coletivo está passando por uma fase de transição. “Estamos nos institucionalizando. Queremos viver da nossa invenção e da nossa produção”, disse.
Régis afirmou que eles querem que o coletivo se transforme em um legado para o território. Moradora do Complexo do Alemão, Thamyra Thâmara foi uma das fundadoras do Coletivo Ocupa Alemão, ao lado de outros comunicadores ícones no conjunto de favelas da Zona Norte, como Raull Santiago, que hoje está à frente do Coletivo Papo Reto. Hoje integra o Coletivo Gato Mídia, que usa a tecnologia para empoderar, potencializar ideias e dar visibilidade aos jovens. “A favela tem muito a contribuir para a cidade na sua diferença”, opina.
Mobilização é ação
Âncora do jornal CDD, locutora da web radio CDD Carla Siccos criou o CDD. Acontece, há quatro anos, “um jornal bem atuante na Cidade de Deus”, para reunir informação, fortalecer o comércio local e apoiar as intervenções culturais que acontecem no território. Carla admite que a troca entre o que o coletivo oferece para o morador depende da participação de cada um. Sem disfarçar, ela conta que, com sua insistência, tem visto bons resultados. “A participação do morador é fundamental. Já conseguimos chamar a atenção da Comlurb. Hoje todo mundo usa, com consciência, o “laranjão”, diz ela, referindo-se aos contêineres da Prefeitura do Rio para coleta de lixo nas favelas.
Estudante do curso de Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) William da Silva atua em coletivos da Vila Kennedy, onde também, por iniciativa própria, dá aulas de basquete em projetos comunitários. As parcerias são importantes, mas sem esquecer a identidade. Para ele, cuja militância é mais intensificada através de seu trabalho na música (rap e hip e hop), os diferentes conhecimentos contribuem para dar segurança aos jovens para que eles lutem por qualquer coisa. “Acho que o Estado nunca se sentiu tão acuado com aquilo que a gente desenvolve hoje”, aponta.
Questões como a redução da maioridade, o tráfico e a visão das favelas pela mídia tradicional foram desconstruídas. Com as mídias comunitárias, a grande diferença não foi a de deixar de falar da questão da violência nas favelas, mas apresentar uma outra visão dos fatos. Thamyra Thâmara reforça que a favela tem muito a contribuir com sua estética, linguagem e modo de vida próprios. “Ela tem que ser reconhecida nas suas diferenças”, diz.
Carlos Costa apontou o caráter aberto dos coletivos: “Temos um modelo mais dinâmico e representativo, que não parte do pressuposto de que alguém vai falar em nome de alguém. Hoje existe um conjunto de pessoas que falam a partir de um determinado tema, estabelecendo as prioridades do território”.
“Não vamos sair daqui com respostas, mas com mais perguntas”, finaliza Thamira.
(Texto: Sol Mendonça | Fotos de Amaury Alves e Tamiris Barcellos)