“O usuário de drogas não pode ser preso como traficante”. Esse foi o principal argumento defendido por todos os debatedores do fórum “Legalizar é o caminho?”, realizado no Centro Municipal de Cidadania Rinaldo de Lamare, nesta sexta-feira (21). O encontro reuniu especialistas favoráveis e contrários à legalização e descriminalização das substâncias ilícitas no Brasil e contou com a participação de aproximadamente 100 pessoas, entre policiais, ativistas, profissionais de saúde, lideres comunitários, políticos e jornalistas, durante mais de quatro horas de evento.
Os ânimos ficaram exaltados em decorrência das propostas apresentadas pelos participantes, que abordaram um tema ainda considerado um tabu na sociedade. Responsável por mediar o fórum, o secretário municipal de Governo do Rio de Janeiro, Rodrigo Bethlem, reconhece que o Brasil precisa avançar no debate. “É preciso esquecer as paixões na hora da discussão. É uma questão de saúde e segurança”, aponta. Diretor-executivo do Viva Rio e antropólogo, Rubem Cesar Fernandes frisou que existe um movimento na América Latina que pede a mudança na política de drogas. Ele lembrou que Uruguai, Colômbia, México, Guatemala e Equador pediram esta semana o fim na Guerra às Drogas durante reunião com a Comissão de Entorpecentes (CND) da Organização das Nações Unidas (ONU), em Viena. Rubem aposta na descriminalização, pois acredita que essa decisão evitaria a prisão em massa de usuários no país. “Sabemos que a proibição fortalece o crime organizado e não inibe o consumo de substâncias”, disse. Para o antropólogo, a legislação não ajuda a resolver o desafio do uso de substâncias ilícitas e essa ideia tem sido constatada por inúmeras pesquisas. Um relatório publicado em 2012 pelo Release, instituição britânica especializada no tema, avaliou os impactos nos 21 países que adotaram alguma forma de descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, entre eles Bélgica, Estônia, Austrália, México, Uruguai, Holanda e Portugal. “A conclusão foi que o modelo opressor tem pouco ou nenhum resultado sobre a redução do uso de entorpecentes e ainda leva ao aumento da população carcerária”.
O estudo apontou que mesmo que esses países possuam diferentes aspectos geo-econômicos e sociais, a descriminalização traz benefícios ao amparar um maior número de usuários de drogas no sistema de saúde, reduzir os custos carcerários e evitar os danos sociais ao indivíduo que é encarcerado. Dados da Austrália mostraram que a descriminalização traz consequências positivas. Ao comparar o resultado entre os indivíduos considerados processados por posse de maconha, com os que receberam um tratamento não-criminal, verificou-se que os que sofreram sanções penais se tornam propensos a retornar ao sistema de Justiça Criminal. Esse diagnóstico foi reiterado pelo coronel Jorge da Silva, membro da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) e Law Enforcement Against Prohibition (LEAP). “O usuário ou pequeno traficante saiu do sistema prisional com mestrado e doutorado em criminalidade”. A proposta do coronel é que o Estado controle o mercado ilícito. “Hoje, essas drogas estão absolutamente fora do controle da sociedade, que está dando ao tráfico um grande mercado altamente lucrativo”. Jorge acredita que essa regulamentação deveria seguir o modelo adotado para o cigarro, que reduziu em 20% o nos últimos seis anos. Os dados são da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em 2006, o percentual de tabagistas era 19,3% e em 2012 caiu para 15,6%.
No contexto de mudança da lei, a fragilidade das fronteiras brasileiras foi destacada pelo deputado federal do PMDB – RS Osmar Terra, autor do PLC 37/2013, projeto que criminaliza o usuário e o pequeno traficante e institui a internação compulsória como política de Estado. O parlamentar defendeu mais patrulhamento nos 17 mil quilômetros de fronteira seca que separam o Brasil de vizinhos da América do Sul, como forma de controlar a entrada de drogas no País. “Não podemos pensar apenas em tratar as pessoas se continuamos permitindo que o volume de droga que entra no País siga aumentando de maneira desenfreada a cada ano”. Ele informa que, segundo dados da Policia Federal, 85% dos meninos que morrem nas cracolândias usam crack provenientes da Bolívia. Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Menezes acredita que o debate tem que ir além da questão política. “O projeto de legalização defende uma proposta racional, que é acabar com essa política baseada no medo e intolerância”. O especialista afirmou que o correto seria estar discutindo como proteger os jovens do uso abusivo de substâncias e não a mudança na lei. No Brasil, segundo o último Levantamento Nacional do Consumo de Álcool e Drogas, de 2012, da UNIFESP, a maconha é consumida por 7 % dos adultos brasileiros, cerca de 8 milhões de pessoas. Nesta semana o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) encaminhou ao Congresso uma proposta pela descriminalização do comércio da maconha.
Também participaram do debate, o médico psiquiatra especializado em Dependência Química, Jorge Jaber; e a diretora da Federação Mundial de combate a Drogas e presidente da Brasileiros Humanitários em Ação (BRAHA), Mina Carakuschansky. Ambos especialistas acreditam na importância do debate sobre o tema. Texto: Flávia Ferreira/Foto: Vitor Madeira