Pedro Strozenberg assumiu a diretoria executiva do Viva Rio em fevereiro deste ano. Carioca de nascença e de espírito, é bacharel em Direito, que optou por não exercer a advocacia tradicional, e atuar na área de direitos humanos e mediação de conflitos, onde tem especialização, parte importante construída e praticada no Viva Rio.
Sua trajetória profissional é marcada por atividades em três setores: sociedade civil, onde tem larga experiência; esfera pública, com passagem consistente, e mundo corporativo, onde trabalhou nos últimos anos, antes de assumir o Viva Rio.
Confira abaixo a entrevista com o novo diretor-executivo do Viva Rio, Pedro Strozenberg, que falou sobre sua experiência e os planos que pretende implementar na instituição no curto e longo prazos.
Qual a sua relação e história com o Viva Rio?
Me sinto parte do Viva Rio desde sempre. Entrei no Instituto de Estudos da Religião (ISER) em janeiro de 1994, instituto que abrigou o Viva Rio nos primeiros anos, em uma pesquisa sobre policiamento comunitário em Copacabana. Em abril daquele ano, tive que escolher, entre o ISER e Viva Rio, fui para o Viva Rio.
Desde seu início trabalhei em temas mais gerais, quando o Viva Rio ainda era um movimento da sociedade organizada atuando em ações contra a violência. Depois foquei mais no tema do acesso à direitos e segurança pública – fui um dos fundadores do Balcão de Direitos, projeto importante no Viva Rio. Mais tarde saí da organização, fui seguir outras paisagens, mas continuei acompanhando e próximo à instituição.
Em 2023 fui convidado para o Conselho de Administração e voltei a ter uma relação mais institucional. Agora, assumi a direção executiva, em uma passagem sensível para a organização, com a saída do Rubem César, que comandou a instituição por 31 anos, e por quem guardo enorme carinho e admiração. Trata-se de uma transição dialogada, planejada e de entendimento de quem também aprendeu e se formou pelo Viva Rio.
Como encara o desafio de liderar o Viva Rio?
Estou animado, mas consciente sobre a responsabilidade da missão. Hoje o Viva Rio tem uma estrutura grande e milhares de trabalhadoras e trabalhadores, distribuídos na área da saúde, em diferentes cidades brasileiras.
Além dessa importante estrutura, que exige atenção e aprimoramentos constantes, o Viva Rio mantém atividades na área esportiva (disputa o Campeonato Carioca masculino e feminino e apoia uma rede de polos em favelas) e atua fortemente na área da saúde mental e assistência. Mas, na agenda social, temos que nos reconectar com temas históricos e urgentes da sociedade civil, reforçando o papel do Viva Rio como organização civil, comprometida com a agenda social, de redução das violências e das desigualdades.
Na agenda interna temos a tarefa de reforçar a institucionalidade do Viva Rio, reduzir seus riscos e aumentar a qualidade e eficiência de sua resposta. São processos que se complementam e fazem do Viva Rio uma instituição sólida e dinâmica.
Também existe a tarefa de manter os laços afetivos, o entusiasmo e o vínculo com os territórios. Enfim, arrumar um pouco a casa e reforçar a causa.
Qual sua expectativa em relação ao papel do Viva Rio e a sociedade civil organizada?
O Viva Rio nasceu de uma proposta nova para o Rio de Janeiro e para a sociedade civil. A liderança de Betinho, Walter Mattos (jornal O Dia à época) e Rubem César propôs um movimento que reafirmou a defesa de um Rio menos violento e mais plural. Trouxe forte dose de inovação. E, de novo, acho que estamos nesse lugar como organização social e como organização da sociedade civil. Somos uma instância de mobilização para uma sociedade melhor e mais respeitosa, que promove oportunidades, igualdade e se dedica à redução da pobreza e violência. Mas também busca eficiência, diversidade e primor onde atua, especialmente hoje na área da saúde.
Pedro Strozenberg e Rubem César em evento com colaboradores na sede do Viva Rio
Quais as suas principais metas para os primeiros 100 dias à frente da instituição?
O psicanalista e escritor Rubem Alves em um de seus textos ensina que as pessoas fazem curso de oratória, mas não de escutatória. Acho que fui na contramão de todos, minha especialidade é escutar.
Meu primeiro passo tem sido ouvir as pessoas que estão no Viva Rio, fazendo esse trabalho e entendendo o processo. Também vou escutar atores da sociedade civil, do poder público, pessoas que têm vínculos e histórias com o Viva Rio, para entender o lugar que podemos ocupar no Rio de Janeiro e no mundo.
Além da escuta, o desafio inicial é fortalecer institucionalmente o Viva Rio. Passamos recentemente por um processo de renovação da Assembleia Geral, do Conselho de Administração e estamos mudando a diretoria executiva. Então, os primeiros 100 dias têm esse desafio de organizar a casa, de dar a ela um novo desenho para os próximos tempos.
E para o futuro, que direção o Viva Rio vai seguir?
O Viva Rio tem dois chapéus: de um lado buscar e aprimorar sua eficiência na entrega de um resultado de qualidade para a população, em um modelo de cogestão na saúde, com metodologias já reconhecidas, seja em processos de articulação comunitária ou em pesquisa. E, na mesma cabeça, mas com um chapéu diferente, a gente tem esse lugar de contribuir para uma sociedade menos violenta, com mais justiça, oportunidade e com um meio ambiente mais protegido. Não vamos correr desse desafio também.
O Viva Rio vai se envolver mais fortemente em outras áreas para além da saúde? Como a instituição fará isso?
O Viva Rio tem a sensibilidade de escuta e de resposta do que a sociedade carioca e fluminense produz. Somos uma organização que se molda também, que é um pouco da nossa história, como um movimento. Nesse sentido, acredito que temas que nem conseguimos prever vão aparecer.
Em uma extensão da saúde, temos segmentos importantes, como, por exemplo, na saúde mental, que apesar de ser saúde, dialoga com outras áreas, especialmente da assistência. Temos também uma agenda de uso de cannabis medicinal, que tem a ver com uma possibilidade de usos alternativos de tratamento, especialmente para populações que vivem dramas individualizados. A população mais pobre muitas vezes não tem acesso a determinados tratamentos e medicamentos, talvez o Viva Rio possa ajudar a avançar nisso.
A intersecção entre saúde e violência é uma agenda que a gente também pode dialogar. Hoje, pelo tamanho e extensão da nossa atuação, conseguimos agregar um olhar mais amplo, em pesquisa, dados, informação e treinamentos. Muitas das agendas que o Viva Rio vai entrar se conectam com essa dimensão da saúde. E tem outras que são mais autônomas, que nesse caso eu pontuaria o tema ambiental e o enfrentamento à violência como dois temas chaves para a nossa atuação.
Como o Viva Rio pode conciliar o papel de empresa social e movimento social?
O Viva Rio fez 31 anos, vai caminhando para a sua maturidade, então ele deixa de ser tão fluido para ter uma institucionalidade. Atualmente são mais de 14 mil pessoas contratadas, atuando em uma área crucial para a população mais pobre, que é a área da saúde, então precisamos reforçar sua institucionalidade. Nesse sentido, é o oposto à ideia de movimento social.
Porém, o Viva Rio segue, no seu espírito e na sua compreensão e dinâmica, com uma leveza de estar sensível aos temas que afetam a população mais diretamente. Esse é um lado que nos aproxima e nos vincula com a nossa história inicial. Seguimos tendo essa escuta, sensibilidade, acolhimento e preocupação com a população mais pobre e vulnerável.
Mas o Viva Rio inova e desconstrói um pouco a ideia clássica de movimento e de empresa. No trabalho empresarial nós adicionamos um componente social, para o lado do movimento adicionamos uma certa institucionalidade. Esse lugar pouco definido é o lugar do Viva Rio, é o lugar da fronteira, do limítrofe, da transição, da transformação. Nesse sentido a gente nem bem é um movimento, nem bem é uma empresa. Ao mesmo tempo nós temos capacidade e condição de dialogar, discutir e funcionar com a responsabilidade e dimensão da empresa, e temos a leveza, a sensibilidade e o acolhimento dos movimentos sociais.