O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um curto e contundente apoio ao Estatuto do Desarmamento ((lei 10826/2003) nesta quarta-feira (28) e apelou aos parlamentares para defender a lei. O substitutivo do deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), que desfigura o estatuto, entretanto, foi aprovado por 19 dos 27 parlamentares da Comissão Especial da Câmara dos Deputados na terça-feira (27). A aprovação coube à bancada da bala, formada por deputados financiados pela indústria bélica nacional.
A sessão será retomada na próxima terça-feira (03) para dar início à votação de 11 destaques, entre eles, a reinclusão do direito de porte a caminhoneiros e taxistas.
O resultado não surpreendeu o sociólogo Antonio Rangel Bandeira, do Viva Rio e da Rede Desarma Brasil, em função do lobby da majoritária presença da bancada da bala na comissão. “Foi apenas o primeiro round, o segundo será no plenário da Câmara dos Deputados e o terceiro, no Senado. Uma pesquisa do Datafolha revelou que 50% dos parlamentares das duas casas são favoráveis à manutenção do estatuto e apenas 32% desejam mudanças”, informou. A decisão final passará pela sanção da presidente Dilma Roussef e, em caso do veto, a última palavra caberá ao Parlamento.
O texto reduz o acesso à compra de armas de 25 anos para 21 anos, dá ao comprador o direito de usar a arma em casa ou no local de trabalho e amplia a validade do porte de três para dez anos. Permite ainda o porte rural de armas. Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), o projeto poderá levar a um banho de sangue no país: “É a volta do velho-oeste, do bangue-bangue, da justiça com as próprias mãos”.
Valente lembrou ainda o assassinato ocorrido no plenário do Senado em 4 de dezembro de 1963, quando o senador Arnon de Mello (PDC-AL), pai de Fernando Collor (PTB-AL), atirou em Silvestre Péricles (PTB-AL), que discursava contra ele. O segundo disparo atingiu o senador José Kairala (PSD-AL), que morreria horas depois.
Não surtiram efeito argumentos como o do deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), de que países a exemplo dos Estados Unidos, onde a venda de armas é liberada, os massacres são recorrentes enquanto uma expressiva parcela da população e o próprio presidente Obama anseiam por limites a este tipo de comércio. “O que aprovamos aqui é algo contrário à noção de civilização”, lamentou Molon, que chamou o documento de “Estatuto do Descontrole de Armas”.
Tampouco sensibilizou os parlamentares o vídeo gravado pelo secretário de segurança do Rio, José Mariano Beltrame, apelando pela manutenção do estatuto. Pelo contrário, o relator do projeto, Laudívio Carvalho, desqualificou o secretário, a quem chamou de incompetente pelo alto índice de mortes no estado. “Tanto o Rio de Janeiro quando São Paulo tiveram uma redução de seus índices de violência”, lembrou Antonio Rangel.
Resultados do Estatuto
O Estatuto do Desarmamento é uma lei celebrada internacionalmente e inspirou novas leis em dezenas de países. Nos anos seguintes à sua aprovação, houve uma redução de 11% nos homicídios por arma de fogo, o que salvou mais de 5.000 vidas, segundo o Ministério da Saúde.
A bancada da bala alega que “o povo está desarmado”, quando pesquisa nacional revelou que 90% das armas em circulação no Brasil estão nas mãos da sociedade, e 48% delas são ilegais. Segundo o Ministério Público de São Paulo, 83% dos homicídios foram cometidos por motivos fúteis. Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), provou que a cada ponto percentual a mais no número de armas, a taxa de homicídios aumenta dois pontos.
(Texto: Celina Côrtes | Fotos: Paulo Barros, Divulgação e Vinícius Poti/Acervo Pres. F. H. Cardoso)