O avanço na diferenciação entre traficantes e usuários, com base nas quantidades, foi quase um consenso entre os novos e antigos participantes da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), a respeito do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da descriminalização do porte de drogas, previsto para começar nesta quinta-feira (13).
A possibilidade de algum ministro pedir vistas no julgamento do STF é uma perspectiva negativa para o presidente da CBDD, Paulo Gadelha, que também preside a Fiocruz, por temer que o processo se estenda por um período longo demais. Já Mário Sérgio Pinheiro, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), vê as vistas com bons olhos: “Com o atual presidente da Câmara, a conjuntura não é boa para nenhuma pauta progressista no Congresso”, acredita.
“Será uma mudança de paradigma na abordagem das drogas”, avaliou Rubem César Fernandes, diretor executivo do Viva Rio, lembrando que a questão crucial é diferenciar o traficante do usuário. Joaquim Falcão, diretor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disse ter sido procurado por um veículo de imprensa pedindo algum professor contra a descriminalização: “Não encontrei”, afirmou.
Segundo Falcão, o ministro Edson Fachin, o mais novo do STF, será o primeiro a votar, após o relator, Gilmar Mendes. “É possível que ele peça vistas do processo para estudar melhor a matéria. Nesse caso, os demais poderão pedir para adiantar o voto”, estima. E antecipa: “Acho extremamente difícil eles chegarem a um acordo sobre as quantidades, mas podem delimitar melhor para nortear o comportamento do policial”.
Outro aspecto levantado foi sobre a quem cabe a decisão de estipular uma quantidade para diferenciar o traficante do usuário, se o STF ou o Legislativo. O advogado Cristiano Maronna, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), lembrou de um julgamento sobre a questão indígena em que o jurídico “invadiu” a seara legal. “Parece que aqui é uma tendência”, disse. Falcão rebateu o conceito de “invasão”, alegando que o fato de o Congresso não ter estabelecido previamente a questão da quantidade deixaria o STF livre para decidir.
Responsável pela maior pesquisa sobre crack já feita no Brasil, Francisco Bastos, da Fiocruz, reconheceu a dificuldade para estabelecer uma quantidade que diferencie o traficante do usuário, ao citar uma informação de sua própria pesquisa. “Na Colômbia, por exemplo, a constituição de uma pedra de crack varia de 30% a 70% de alcaloides”. Para ele, porém, a decisão será fundamental para subsidiar os profissionais de saúde. “Eles terão obrigação de saber atender as pessoas, aumentando assim a possibilidade de salvar vidas”, observa.
A Secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, citou os 40 mil presos provisórios do país, “jovens entregues ao crime organizado”, lamentou. Sua preocupação é como fazer o policial entender o diferencial que poderá ser estabelecido pelas novas regras do STF. “Espero que eles cheguem a critérios que permitam encaminhar essas pessoas que precisam de tratamento à saúde”, completou. Ubiratan Ângelo, coordenador de Segurança Humana do Viva Rio, observa que muitos policiais consideram o usuário pior do que o traficante, “é como se fossem sócios”. O coronel Ibis Silva Pereira, Chefe de Gabinete do Comandante Geral da Polícia Militar do Rio, vê o julgamento com otimismo: “A decisão poderá humanizar a questão das drogas”.
Para o pastor metodista Evandro Machado, um critério objetivo adotado pelo STF poderá reduzir o encarceramento, enquanto o babalorixá Ivanir dos Santos, da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, aponta o “genocídio de negros”, com as regras atuais. A pastora Lusmarina Campos Garcia, presidente do Conselho de Igrejas Cristãs, vê a descriminalização como “essencial para a implantação de políticas públicas de saúde mais eficazes e ao combate ao tráfico de forma mais estruturada”.
(Texto: Celina Côrtes|Fotos: Vítor Madeira)