Mais de 100 cientistas ligados a universidades públicas e instituições de pesquisa de todo o País divulgaram, na sede do Viva Rio, manifesto favorável a descriminalização do usuário de drogas. O documento será entregue no Congresso Nacional como contribuição dos pesquisadores ao debate pela mudança na legislação que regula a política de drogas no Brasil (11.343/2006). Os signatários pedem que seja feita uma definição clara entre o que é porte ou plantio para consumo pessoal e o que deve ser considerado tráfico.
Integrante da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), professor titular e diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Lent afirma ter constatado que existe base cientifica para tratar usuário como um doente e não como criminoso. Ele acredita que a sociedade deve andar neste caminho. “Temos que aproveitar o momento em que a sociedade discute o problema das drogas para colocar posição que seja aceitável e o passo mais realista seria a descriminalização do usuário de drogas”, disse.
Seguindo a mesma linha de pensamento, o professor associado do Instituto de Biofísica da UFRJ, Ricardo Reis, acrescenta que 90% das drogas atuam no centro de comunicação das células e uma parcela das pessoas que fazem uso dessas substâncias se tornaram dependentes. “O nosso sistema nervoso está preparado para responder as drogas quase da mesma maneira que responde às recompensas da alimentação, da saciedade da sede e do sexo, do prazer das interações sociais”.
Os cientistas sugerem que, após o estabelecimento de limites da quantidade de entorpecentes que os cidadãos poderiam portar sem serem criminalizados, a fiscalização seja feita nos mesmos moldes das blitzes da Operação Lei Seca. Roberto Lent explica que no caso de outras drogas, o policial poderia ter uma balança na viatura para pesar a quantidade de entorpecente que alguém carrega. “Acima de determinado limite, o indivíduo seria preso por tráfico”
Para o cientista, a polícia tem que se concentrar na repressão ao tráfico e os sistemas de saúde e educação devem focar no uso. Em 2001, Portugal escolheu essa abordagem como a mais plausível para abordar a questão do uso de drogas. A legislação portuguesa indica que ao portar quantidade para consumo em até 10 dias, o individuo seria enquadrado como usuário. As drogas continuam proibidas, mas seu consumo não é mais crime. Por lei, o usuário agora é considerado doente crônico que precisa de tratamento, mas há sanções penais para traficantes e produtores de drogas.
Essa é a ideia que se pretende introduzir no debate nacional. Nesse cenário mais humano, seria possível descrever três tipos de condutas relacionadas ao uso de drogas: usuário recreativo, usuário dependente e traficante. “Usuário dependente tem que ser estimulado a se tratar, o usuário recreativo é levado voluntariamente ao sistema educacional para conhecer os riscos do uso, pois ele é suscetível a se tornar dependente”, apontou o professor Ricardo Reis.
O manifesto é assinado por ex-ministros do governo Lula como Sergio Machado Rezende, da Ciência e Tecnologia, e José Gomes Temporão, da Saúde; além da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena B. Nader. Também fazem parte desta lista, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Embora estejam ligados a importantes instituições, os cientistas deixam claro que se posicionam como cidadãos e não falam em nome das entidades em que trabalham.