O problema do crack é a pobreza, diz especialista

“O Brasil não oferece alternativas para que as pessoas deixem de usar o crack”. A afirmação foi feita por Carl Hart, professor titular da Universidade de Columbia e um dos maiores especialistas sobre o uso de drogas nos Estados Unidos. Ele participou de um encontro com pesquisadores e equipes de Saúde do Viva Rio, nesta quarta-feira, na sede da instituição.

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Carl Hart comprovou em pesquisa que o número de pessoas que consomem crack e se tornam viciadas gira entre 20% e 10%

Primeiro neurocientista negro da Universidade de Columbia, Hart estudou o comportamento de dependentes de crack e concluiu que entre 80% e 90% das pessoas que usam a droga não são viciadas. Durante o estudo, ele oferecia US$ 5 às “cobaias” para que não tomassem uma segunda dose diária de crack. Quando a dose de crack era relativamente alta, normalmente optavam pela segunda, mas quando era menor, a escolha mais provável era a do prêmio alternativo.

“Eles não se encaixavam na caricatura do viciado em drogas que não conseguem resistir à próxima dose. Quando eles receberam uma alternativa para parar, eles fizeram decisões econômicas racionais. Então, eu percebi que o crack não é o real problema, e sim a condição pessoal e social do usuário”, disse o neurocientista.  De acordo com o especialista, se o individuo tiver acesso a alternativas, ele, provavelmente, não irá escolher as drogas.

As falas de Hart estão embebidas em conhecimento empírico. Tendo crescido na periferia de Miami, ele viu amigos e familiares se tornarem dependentes do crack, recorrerem a crimes para sustentar o consumo e acabarem presos ou mortos ao se envolver com o tráfico. “Eu já usei drogas, mas tive a chance de optar por outro caminho, agora as pessoas me pagam para falar e viajar pelo mundo”.

Coordenadora do projeto Casa Viva, especializado no acolhimento de jovens que fazem uso abusivo de drogas como o crack, Marilia Rocha apresentou algumas dificuldades para oferecer essas alternativas no Rio de Janeiro. “É complicado conviver com uma legislação que criminaliza a droga e coloca os usuários em situação de ilegalidade, pois não permite ao jovem usar substâncias menos danosas como a maconha”.

Para Marilia, é difícil ofertar outro caminho quando a sociedade não pensa em uma mudança de proposição para a juventude. “As cenas de uso estão criando nos guetos dentro de guetos. São crianças que nem a comunidade quer. Os vínculos que antes eram negados aos usuários de maconha e cocaína, hoje são negados aos usuários de crack”.

 

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Para Marilia Rocha, é dificil apresentar alternativas para usuários de crack, principalmente os jovens, em um país como o Brasil

O neurocientista esclareceu que ainda é preciso explicar a população sobre os mitos e reais perigos das drogas para que as pessoas tomem decisões conscientes quanto a seu uso. “É mentira a afirmativa de que se fumar crack uma vez você pode se viciar pelo resto da vida e, ao contrário do imaginado, as pessoas podem consumir crack e ter uma vida normal”. Hart citou o exemplo do prefeito de Toronto, Rob Ford, que há alguns meses assumiu que consumia a substância.

“Não vou recomendar que ninguém consuma drogas, mas elas não são esse demônio que costumamos achar. Em minha casa eu não deixo de conversar sobre uso de drogas com meus filhos, não estimulo que usem, mas é importante que tenham conhecimento sobre essas substâncias”.

As descobertas alcançadas com os mais de 25 anos de pesquisa na Universidade de Columbia, fez o especialista chegar a conclusão de que nas últimas décadas a política antidrogas norte-americana mentiu sobre os reais perigos das drogas ilícitas. Atualmente, o pesquisador é um dos grandes defensores da descriminalização do uso de drogas no mundo, tendência defendida pelas Nações Unidas e seguida pelo Viva Rio.

Inspirado na lei portuguesa, a instituição levou ao Congresso Nacional um projeto que prevê a criação de critérios objetivos para distinguir usuário e traficante, além de deslocar a questão da área de Segurança Pública para a da Saúde e Assistência Social. O neurocientista garante que essa mudança na política evitaria o encarceramento em massa de usuários de drogas, que constitui a maior parte de prisões no mundo. “Eu quero que entendam que o que o meu país fez em termos de drogas ilícitas foi um fracasso e vejo que o Brasil está seguindo nosso caminho. É preciso criar leis eficazes para tratar o consumo ou porte de drogas e não internar pessoas, pois isso é uma barbárie”.

 

(Texto: Flávia Ferreira/ Fotos: Tamiris Barcellos)

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