18/9/2016
Quando o médico cubano Isael Quesada Reyes, 45 anos, começou a trabalhar no Centro Municipal de Saúde (CMS) Nagib Jorge Farah, no Jardim América, na Zona Norte, estranhou a quantidade de pedidos de receita para remédios controlados. Com iniciativas simples, já adotadas como modelo pela unidade, em dois anos ele conseguiu reduzir de 40 para seis os que ainda recorrem a este tipo de medicação.
Reyes chegou a Belo Horizonte em outubro de 2013, pelo Mais Médicos, e foi direcionado para o Nagib Farah no mês seguinte. Com formação em clínica geral e especialização em Saúde da Família, a primeira coisa que chamou sua atenção foi a demanda por remédios de benzodiapezina, sobretudo o Rivotril, um dos mais populares e baratos.
“Quis conhecer essas pessoas e, em abril de 2014, propus a criação do ‘Grupo do remédio controlado’, uma psicoterapia que começou com 40 participantes, a maioria delas com ansiedade, depressão e transtornos de sono”, lembra, com seu sotaque carregado. Nos encontros mensais, que aconteciam às terças-feiras, as pessoas compartilhavam seus problemas e antes de voltarem para casa batiam papos individuais com o médico cubano.
Reyes lembra ter aprendido na faculdade a importância do ouvir, daí a conjugação da psicoterapia em grupo com as entrevistas individuais. “No Brasil são usados tantos remédios controlados porque os médicos não escutam e nem orientam os pacientes”, lamentou.
Aos poucos, ele começou a introduzir entre as pessoas noções de funcionamento do organismo e chamou a produção de hormônios como a endorfina e a serotonina de “caldinhos do bem”. “Mostrei a eles que cada um de nós é responsável por abrir a torneira que libera o caldinho do bem. Um sorriso pode contribuir, assim como a melhora da auto-estima. O deprimido, por exemplo, que se mantém no quarto escuro, nunca vai conseguir melhorar. É preciso abrir as janelas e deixar a luz entrar”, citou.
O médico explicou aos pacientes que a serotonina se transforma, à noite, em melatonina, hormônio indutor do sono. Para isto, porém, é preciso que todas as luzes e televisão estejam desligadas. Eles também ficam sabendo que a psicoterapia é parte do tratamento e que não podem faltar aos encontros do grupo. A calma e a perseverança também são fundamentais: “É um trabalho de formiguinha”, diz.
Nos encontros pessoais, Reyes negocia a redução de danos, também chamada de ‘desmame’. Na medida em que os pacientes conquistam mais segurança, são estimulados e reduzir as doses da medicação, até conseguir abandoná-la totalmente.
Muitas vezes, o uso dos remédios começou por uma perda, desemprego ou outro problema mais grave, que não justificam sua manutenção por tempo indeterminado. “Dos seis que continuam no grupo, quatro já trocaram o remédio por outro menos invasivo. Hoje há pesquisas que associam o uso contínuo desses medicamentos ao Alzheimer, à doença de Parkinson e à demência”, destacou.
Os resultados da bem sucedida experiência foram mostrados no 1º Encontro dos Mais Médicos, realizado em junho, no Rio. E ao perceber o valor da iniciativa, a unidade implantou o projeto em seu escopo. “Adotamos a mesma metodologia em todo o CMS, porque os resultados são realmente muito bons”, sustenta a gerente Alessandra Requena.
(Texto: Celina Côrtes| Fotos: Paulo Barros)