Tímida e desconfiada, Diana Moraes, 15 anos, raramente tira os olhos do chão enquanto fala. Sua introspecção, no entanto, desaparece no momento em que ela adentra o ringue de Muay Thai. São seis lutas em campeonatos intermunicipais, nenhuma derrota e três vitórias por nocaute. A adolescente começou a praticar a atividade há apenas oito meses no programa “Atitude Saudável”, parceria da Ambev com o Viva Rio que leva esporte e música à comunidade Costa Barros, Zona Norte do Rio, na tentativa de afastar jovens da violência e do tráfico.
Sediado no Centro Municipal de Saúde (CMS) Sylvio Brauner desde 2011, o projeto possui, além das artes marciais, outras duas frentes de atuação: capoeira e percussão. Também são promovidas rodas de conversa sobre os malefícios do abuso de drogas e álcool. Apesar de revelar promessas como Diana, o programa não almeja formar novos atletas e musicistas, mas transmitir valores de comunhão e integridade através das atividades. “Queremos mudar a mentalidade dos alunos. Ainda que não sigam conosco, já irão diferentes para o mercado de trabalho”, explica Fernando Matas, coordenador da iniciativa, que atende aproximadamente 90 crianças e adolescentes da região.
Fernando é psicólogo de formação, pastor batista e reside em Costa Barros há 25 anos. Nesse período, viu várias gerações se perderem na criminalidade e decidiu que precisava fazer algo para, ao menos, tentar reverter esse quadro. “Acompanhei as pessoas morrendo pelos mesmos problemas. O tempo passa e a realidade não muda”, diz. Sabendo desse desejo, o gerente da unidade de saúde, Reilson Binatto, o convidou para comandar o projeto. “Queria salvar a criançada do crime e o ‘Atitude Saudável’ era a oportunidade que eu buscava”.
Embora conversas sobre os malefícios do álcool e da violência façam parte do programa, o coordenador ressalta que a abordagem não é impositiva. “Não adianta dizer ao jovem – quando ele é maior de idade – para não beber. Mas você pode mostrar que a bebida não faz bem. E que ele pode se divertir, ir a bailes, mas não brigar”, explica.
A filosofia de que a luta deve ser restrita à sala de aula é repetida incessantemente pelo professor de Muay Thai , Francisco D’Branco. Campeão sul-americano na modalidade e criado em Costa Barros, ele afirma que se interessou pelas artes marciais após apanhar numa briga de escola. “Comecei errado, mas ensino o certo. E as crianças gostam, tanto que às vezes vêm fora de seus horários só para assistir aos colegas”, relata.
Por serem da comunidade, os professores acabam se tornando exemplos para seus discípulos. É o caso do instrutor de capoeira e percussionista Antônio Paulo, mais conhecido como Mestre Chaminé. Após envolver-se com “coisas erradas” dos 12 aos 18 anos, ele conta ter sido “salvo” pela capoeira. “Passei a ir a congressos, fazer viagens internacionais. Digo aos alunos que é preciso ter um ideal e lutar por ele”. Antônio, então, aponta para Rafael Coutinho, um de seus pupilos. Quando iniciou as aulas de percussão, o garoto estava afastado da escola havia dois anos. Hoje retomou os estudos e, por já ter atingido a maioridade, acompanha seu mentor em apresentações por toda a cidade. “Imagina se tivéssemos perdido um menino desse tamanho para o crime?”, brinca.
O agente comunitário da unidade, Carlos Eduardo Quirino, considera que uma das maiores dificuldades do programa é a aproximação inicial com os jovens. Em sua avaliação, muitos adotam uma postura defensiva nos primeiros contatos. “Eles acham que vamos dar bronca, lição de moral, quando não é nada disso.”
Para Fernando, falta a participação das famílias no projeto. São poucos os pais que acompanham o desenvolvimento dos filhos. “Queremos traçar um perfil das famílias, mas é difícil trazê-las até aqui. Estamos montando um café da manhã para tentar atraí-las e, a partir daí, estreitar o relacionamento”.