Álcool ou maconha? Um pediatra enfrenta a questão

À medida que meus filhos e os filhos dos meus amigos crescem, vem sempre à tona uma questão: hipoteticamente, prefiro que meus filhos usem álcool ou maconha?

A resposta imediata é, claro, “nenhum dos dois”. Mas pai nenhum aceita essa resposta. É presumido, corretamente, que a imensa maioria dos adolescentes vai experimentar um ou outro, especialmente quando chegarem à universidade. Então, os amigos me pressionam.

O mais fácil é demonizar a maconha. Afinal, é ilegal. Além disso, suas desvantagens potenciais são bem conhecidas. Exames mostraram que o uso da maconha está associado a possíveis alterações no cérebro. Está ligada ainda a um aumento do risco de desenvolver algumas psicoses. Pode estar associada a alterações em funções pulmonares e riscos de câncer de pulmão a longo prazo, apesar de evidências que mostram que isso parece improvável. Pode prejudicar a memória, causar desempenho acadêmico inferior e contribuir para uma vida menos bem sucedida.

Mas tudo isso são associações, e não caminhos estabelecidos. Pode ser, por exemplo, que pessoas com predisposição para psicose sejam mais propensas a usar maconha. Nós não sabemos. Além disso, todos estes perigos potenciais parecem assustadores apenas quando vistos isoladamente. Compare-os ao álcool, entretanto, e tudo fica diferente.

Pela maconha ser ilegal, a primeira coisa que penso antes de responder é: trata-se de um crime. Em muitos estados, ser pego com maconha é muito mais grave que ser flagrado com álcool antes da maioridade. Mas ignorar a relação entre o álcool e o crime é um grande erro. Segundo o Conselho Nacional de Alcoolismo e Dependência Química (National Council on Alcoholism and Drug Dependence), o uso do álcool é um fator envolvido em 40% de todos os crimes violentos praticados nos Estados Unidos, incluindo 37% dos estupros e 27% dos assaltos mais graves.

NYT

Andy Eidinger, líder da campanha “D.C. Cannabis Campaign”, seguram um baseado no dia 26 de fevereiro de 2015, primeiro dia de legalização da maconha em Washington.

 

Associações como esta não foram encontradas entre os usuários de maconha. Embora existam estudos que liguem a maconha ao crime, boa parte se refere à sua distribuição ilegal. Geralmente pessoas chapadas não cometem atos violentos.

Há quem argumente que o uso ocasional não é o problema; preocupa o abuso, quando se pensa em crime. O argumento é correto, mas em relação ao álcool. Um estudo recente na Pediatrics investigou os fatores associados à morte de jovens que cometeram crimes. Os pesquisadores descobriram que 19% desses homens e 11% das mulheres tiveram problemas relacionados ao uso do álcool. Além disso, descobriu-se que, mesmo cinco anos após a detenção, as pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool tinham chances 4,7 vezes maiores de morrer por causas externas, como homicídio, do que aqueles sem este perfil.

Para pensar em uma resposta, também levo em consideração a saúde. Mais uma vez, não há comparação.

Em 2010, o consumo excessivo de álcool representou quase a metade das mais de 80 mil mortes relacionadas ao álcool nos Estados Unidos, de acordo com um relatório de 2012 dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Os prejuízos econômicos ligados ao consumo excessivo de álcool no país foram estimados em 225 bilhões dólares. Também não é raro o consumo abusivo, definido como quatro ou mais doses para mulheres e cinco ou mais doses para homens em uma única ocasião. Mais de 17 % dos americanos são usuários compulsivos, e, entre estes, mais de 28% têm idades entre 18 e 24 anos.

O consumo excessivo de álcool é mais comum entre as pessoas com uma renda familiar de pelo menos US$ 75 mil. Este é, portanto, um problema de classe média.

A maconha, por outro lado, não mata praticamente ninguém. O número de mortes atribuído à maconha é perto de zero. Um estudo que observou mais de 45 mil suecos por quinze anos não encontrou qualquer aumento na mortalidade para os que usavam a erva. Outro estudo publicado no American Journal of Public Health acompanhou mais de 65 mil pessoas nos Estados Unidos e descobriu que o consumo de maconha não teve efeitos sobre a mortalidade em homens e mulheres saudáveis.

Penso ainda sobre o que é mais perigoso enquanto se dirige. Um estudo caso-controle de 2013 descobriu que o uso de maconha aumentou em 83% as chances deste consumidor morrer em um acidente. O uso de álcool, porém, aumentou essas chances em mais de 2.200%. Um estudo mais recente mostrou que, após o controle de vários fatores, uma quantidade detectável de THC no sangue – o ingrediente ativo da cannabis -, não aumenta o risco de acidentes em geral. Já um nível de álcool no sangue de pelo menos 0,05%, no entanto, cresceu as chances de acidente em 575%.

Penso também sobre qual substância poderia colocar os jovens em risco de ser ferido por outros. É aí que as coisas se tornam ainda mais gritantes. Só em 1995, os estudantes universitários relataram mais de 460 mil incidentes de violência relacionados ao álcool nos Estados Unidos. Um estudo prospectivo de 2011 constatou que o abuso físico e mental entre parceiros foi mais comum nos dias de consumo de álcool entre os universitários. Por outro lado, um estudo de 2014 que analisava o uso da maconha e da violência entre parceiros nos primeiros nove anos de casamento, mostrou que os usuários de maconha tiveram menores taxas de violência. Na verdade, os homens que mais usaram maconha foram os menos propensos a cometer violência contra parceiros.

A maioria das pessoas sai da faculdade sem se tornar dependente das substâncias experimentadas durante os cursos. Mas alguns se viciaram. Então, também levo em consideração qual dos dois pode levar a abusos. Mesmo assim, o álcool se sai pior em comparação à maconha. Enquanto 9% dos usuários de maconha pode, eventualmente, tornar-se dependente, o mesmo acontece com mais de 20% dos usuários de álcool.

Um estudo da Lancet muito citado e pouco debatido, classificou várias substâncias de acordo com seus potenciais danos, tanto para os usuários como para os outros. O álcool ficou na pior classificação. Pode-se argumentar, no entanto, que a heroína, crack e metanfetamina seriam piores se fossem legalizadas e mais comumente usados. Mas é difícil ver como a maconha poderia ultrapassar o álcool, mesmo que fosse universalmente legal. O uso de maconha não é raro, mesmo agora que sua compra e uso são ilegais. Estima-se que quase metade dos americanos com idades entre 18 e 20 anos tenham usado maconha em algum momento de suas vidas; mais de um terço deles fez uso no ano passado.

Também não posso ignorar o que vi como pediatra, como jovens trazidos para a sala de emergência por consumo abusivo de álcool, a ponto de se intoxicarem. Isso acontece milhares de vezes por ano e alguns chegam a morrer.

Não está longe a entrada de meu filho mais velho na faculdade. O que vou pensar neste momento é na morte de  1.800 estudantes universitários por ano em acidentes relacionados ao álcool. São 600 mil lesionados, enquanto sob a influência de álcool, quase 700 mil são agredidos e quase 100 mil sofrem agressões sexuais. Cerca de 400mil têm relações sexuais desprotegidas, e 100 mil estão bêbados demais para saber se consentiram ou não. Os números da maconha nem chegam perto disso.

Sou pediatra e pai. Suponho que posso querer que meus filhos, e os outros com os quais me importo, nunca se envolvam em situações arriscadas. Mas não é assim que funciona. Muitos ainda farão sexo, não importa o quanto eu fale sobre doenças sexualmente transmissíveis ou gravidez. Por isso, procuro ter conversas que permitam escolhas conscientes. Se for para fazer sexo, que seja com camisinha. Falar sobre a redução de danos que a camisinha traz não é o mesmo que dizer a eles para fazerem sexo.

Da mesma forma, nenhum destes argumentos que apresentei são “pró-maconha”, no sentido de que não estou dizendo que adolescentes devam consumi-la sem se preocupar com suas consequências. É certo que o uso da cannabis tem riscos aos usuários, bem como para o país. Porém, o número de pessoas que possam sofrer danos e prejudicar os outros pelo consumo da substância são certamente bem maiores que zero. Mas é irracional olhar apenas para estes riscos, e se recusar a lidar com eles compreendendo o contexto de consentimento implícito da nossa sociedade para o uso de álcool em adultos jovens.

Quando alguém me pergunta se eu preferiria que meus filhos usassem álcool ou maconha, depois de analisar todos os estudos e dados, ainda direi: “nenhum dos dois”. Mas, se eu tiver que fazer uma escolha, a resposta será: “maconha”.

 

*Artigo publicado originalmente em inglês no New York Times com o título “Alcohol or Marijuana? A Pediatrician faces the question” e traduzido livremente.

(Versão: Renata Rodrigues / Fotos: Robert Macpherson/Agence France-Presse — Getty Images)

 

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