“Não vou gastar um centavo em cimento enquanto a situação dos que moram aqui for equacionada. Estou aberto a todas as alternativas que possam minorar o impacto das obras.” Com afirmações como estas, André Corrêa, secretário de estado do Ambiente, abriu, pela primeira vez, o diálogo entre os potenciais afetados pelo projeto de Contenção Hídrica do Rio Guapiaçu, no encontro com aproximadamente 400 moradores da região realizado na sexta-feira 06 de março em Serra Queimada, distrito de Cachoeiras de Macacu, na região serrana do estado.
O projeto de construir uma grande barragem visa resolver a falta de água que já atinge municípios como Itaboraí, Niterói, São Gonçalo e Ilha de Paquetá foi interrompido por Pezão no ano passado, porque o governador não concordava com a forma como o processo era conduzido, sem diálogo com os afetados pela obra.
“Para o Viva Rio, a abertura de diálogo por André Corrêa foi um sonho realizado. Representa a esperança que, daqui para a frente, a comunidade, em especial os mais impactados, seja ouvida e respeitada em seus direitos”, exultou Tião Santos, coordenador do Viva Rio, que trabalha desde outubro de 2013 junto à comunidade através do Viva Rio Socioambiental, com Educação Ambiental, Comunicação e Desenvolvimento Socioambiental.
Realizado a partir das 12h, o clima de hostilidade do encontro era latente, com faixas de repúdio espalhadas pelo grande galpão em um platô da Fazenda Agrícola Knust, vizinho à escola de mesmo nome. “Se o Guapiaçu não planta, o Rio não janta”, “Trabalhadores e atingidos, queremos nossos direitos garantidos”, “Águas para a vida, não para a morte”, eram algumas das mensagens do Movimento dos Atingidos pela Barragem” (MAB).
Doze homens da guarda municipal de Cachoeiras de Macacu faziam policiamento preventivo. Também participaram do evento representantes das universidades federais Fluminense (UFF) e Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Organização dos Advogados do Brasil (OAB).
O projeto da barragem do Guapiaçu começou a ser analisado nos anos 80. Atualmente, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) estão suspensos.Há grupos, porém, que defendem a construção de pequenas barragens, o que afetaria um número bem menor de pessoas, e o MAB propõe uma terceira via: o reflorestamento das matas ciliares e a recuperação da bacia hidrográfica.
Maiores produtores de aipim
Os primeiros a falar no encontro foram o prefeito de Cachoeiras de Macacu, Cica Machado (PSC), que preferiu não se comprometer com o projeto, e Lenilson Biazi, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. “Somos os maiores produtores de aipim do estado, atividade que gera 15 mil empregos diretos, renda de R$ 15 mil a R$ 20 por hectare, e também os segundos maiores produtores de goiaba do país. Geramos uma renda de R$ 37 mil, ou 11% de toda a mercadoria comercializada no Ceasa-Irajá. A barragem vai quebrar 50% da produção de aipim do estado”, denunciou.
Na sequência, Rolf Dieringer, secretário do Sindicato dos Produtores Rurais, informou que hoje a vazão do Rio Guapiaçu está três vezes menor, por conta do desmatamento e da degradação ambiental. “Com o reflorestamento, queremos produzir três vezes mais água do que vocês querem tirar”, propôs Rolf.
Quando começou a falar, depois de todas as intervenções dos participantes, André Correa, também deputado pelo PSD, disse ter sobrevoado toda a área de helicóptero e não gostou do que viu: uma região totalmente “pelada” pela ação da agricultura e da pecuária, “porque não tínhamos a consciência ambiental que temos hoje”. E afirmou ainda que tampouco a propriedade de Rolf teria a reserva obrigatória de 20% de mata, o que o líder sindicalista não desmentiu. “Temos que fazer juntos a política de reflorestamento”, afirmou, acrescentando que vai multar o responsável por um grande desmatamento que avistou do helicóptero.
Assim que começou a se dirigir aos presentes, Correa negou que a barragem seria destinada a abastecer o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj). “Isso é mentira. O Comperj só utiliza a água de reuso da Cedae”, frisou. Talvez esta boataria tenha sido alimentada pelo fato de que o projeto seria financiado por recursos de compensação ambiental ligados ao financiamento do Comperj, já que ele contribuiria para agravar o problema da falta de água por conta do adensamento populacional que tende a provocar.
Na conclusão do evento, Correa anunciou: “Quero fazer de Cachoeiras de Macacu um exemplo de reflorestamento ambiental no estado.” Segundo ele, no dia 11 de março uma equipe técnica do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) montará um posto de atendimento na área para fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
(Texto: Celina Côrtes| Fotos: Paulo Barros)