Mariana, a mulher trans que veio do Sul para a cidade maravilhosa

Cirurgiã dentista, desempregada, publicou um apelo nas redes sociais, e foi contratada pelo Viva Rio

 

Mariana Bublitz na roda de conversa LBGTQIAP+, na sede do Viva Rio 

 

30/06/2022

Mariana Lucena Bublitz, 56 anos, é uma mulher trans, lésbica e assexual. Cirurgiã dentista, de Charqueadas, cidade do Rio Grande do Sul, estava sofrendo o que pessoas trans sofrem diariamente: a dificuldade para entrar no mercado de trabalho. Desempregada há quase um ano, publicou um apelo em suas redes sociais em busca de uma vaga. A publicação viralizou, com milhares de compartilhamentos e chegou até o Viva Rio, que a contratou.  

“O Viva Rio me devolveu a dignidade de continuar vivendo. Ganhei nova vida, eu agradeço muito, de verdade. Ganhei uma família”, conta Mariana, emocionada. 

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), registra que apenas 5% das pessoas trans estão no mercado de trabalho formal e só 0,1% consegue iniciar estudos no nível de graduação. Embora Mariana seja cirurgiã dentista desde 2012 e pós-graduada em Saúde Pública com experiência em unidades básicas de saúde e presídio da prefeitura de Charqueadas, além de ter consultório próprio, desde meados do ano passado não conseguia nenhuma colocação. 

Ela relata: “Venho por meio desta solicitar que se possível salvem minha vida (…) Estou desempregada já há um bom tempo, trabalhei na UBS do RS, tenho consultório desmontado em casa mas por minha condição de ser trans sofro discriminação (…) Só quero trabalhar e continuar vivendo”. 

Ela não imaginava que seu texto chegaria tão longe. “Já estava em desespero, mesmo tendo qualificação, me candidatava mas não era chamada. Não pensei que meu apelo fosse chegar aqui (no Rio de Janeiro)”. A coordenadora do núcleo de Desenvolvimento Social do Viva Rio, Marília Rocha, viu o relato e compartilhou com sua equipe. 

A psicóloga Karen Jones, do programa “Cuidando de Quem Cuida”, foi quem se propôs a encontrar Mariana e oferecer uma oportunidade a ela. “Eu vi que ela é dentista, profissional que sempre precisamos e decidi que ia encontrá-la. Procurei em diversas redes sociais. Começamos a conversar, mas ela ficou muito assustada, demorou a acreditar”, conta Karen que enviou link do site e das redes sociais da instituição. 

Mariana chegou a pensar que poderia ser um golpe ou pegadinha. “Quando a Karen entrou em contato comigo eu fiquei desconfiada de que fosse um golpe, até demorei a responder, não levei fé. Ela perguntou se eu estava interessada em vir trabalhar no Rio. Ao invés de pedir a vaga, estavam me oferecendo, por isso foi difícil de acreditar”.  

Segundo Karen Jones, o objetivo do Viva Rio é se tornar um referencial para pessoas LGBTQIAP+ e outras minorias. “O propósito é que a gente se torne um referencial de inclusão e diversidade. Mariana precisava se sentir ela, se sentir profissional. Ela se formou, se capacitou, é com isso que precisa se preocupar, em ser uma boa profissional, o restante não importa para a gente”.  

Mariana está trabalhando no Centro Municipal de Saúde Helio Pellegrino, na Zona Norte do Rio de Janeiro, desde o dia 3 de junho. 

Dentista Mariana no consultório onde trabalhou no Rio Grande do Sul 

 

Conheça a história de Mariana Lucena Bublitz

Mariana se entende como mulher trans desde os seis anos de idade, mas o preconceito a impediu de ser ela mesma durante mais de 40 anos. “Pelo preconceito, que era muito mais forte naquela época, não existia condição nenhuma de ser quem eu era. Fazia até papel de homofóbica”. 

O processo de transição começou um pouco antes de ingressar na universidade, mas com hormonizações sutis. Um ano após se formar na universidade, há cerca de 9 anos, decidiu que era o momento de ser ela mesma e fazer a transição. “Perdi muita coisa. A única coisa que me restou foi a vida, porque o resto perdi tudo”. 

Depois de formada montou seu consultório, que ia muito bem — quando ainda não tinha passado pelo processo total de transição. Quando se assumiu uma mulher trans, teve que fechar as portas, pois pagava aluguel e não tinha mais clientes. “Tentei me mudar para Santa Catarina para ver se melhorava, mas foi pior ainda. Só pagava aluguel, não tinha clientela ainda. Aí eu fechei o consultório em 2017”, conta. 

O primeiro emprego como mulher trans veio em 2018, quando trabalhou em uma Unidade Básica de Saúde na prefeitura de Charqueadas, no Rio Grande do Sul. Em 2021, o contrato acabou e não conseguiu passar no novo processo seletivo. 

Sobre a mudança para o Rio de Janeiro, Mariana afirma que não há comparação. Para ela, são duas realidades completamente diferentes. “Estou vivendo um paraíso. Não pela cidade, pelo estado, porque nem saí ainda. Mas em relação às pessoas, ao acolhimento e tratamento”. 

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