“Estamos sob enorme pressão para decidir onde ceder e onde permanecer firme. Precisamos decidir o que pode e o que não pode ser comprometido”. A declaração do prêmio Nobel da Paz, ex-presidente da Costa Rica, Oscar Árias resume o clima que predominou no quarto e último encontro do Comitê Preparatório para a conferência diplomática que vai decidir sobre a criação de um Tratado Global sobre o Comércio de Armas, em julho.
Enquanto delegados de 126 Estados-membros das Nações Unidas discutiam os procedimentos que nortearão as negociações em torno de um tratado que regule as transferências de armas convencionais entre países, incluindo armas pequenas e leves e suas munições, cerca de dez mil pessoas perderam suas vidas por causa da violência armada no mundo.
De acordo com dados do Small Arms Survey e da Control Arms, as cerca de 300 milhões de armas que circulam no mundo provocam a morte de duas mil pessoas no planeta.
Ainda assim, os avanços na direção do tratado global quase foram bloqueados por causa da falta de acordo em torno da forma de decisão e da participação das ONGs em julho. Os delegados passaram quase a metade do tempo negociando a portas fechadas .
Hoje, não existe um acordo internacional que controle o mercado de armas no mundo, deixando brechas para a venda de armas para países que violam os direitos humanos, extimulam a violência de gênero, prejudicam o desenvolvimento, estimulam conflitos internos e causam a morte de milhares de civis.
“Infelizmente, existem muitos países hoje que apontam para a necessidade de um tratado forte. Um ATT forte com critérios robustos de direitos humanos deixaria claro que as transferências de armas não podem ser realizadas quando exitir um risco substancial de que sejam usadas para matar civis e cometer abusos dos direitos humanos”, defende Jeff Abranmson, coordenador da Control Arms, uma coalizão de organizações não-governamentais que defendem um Tratado Global de Armas forte e que foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz de 2012.
Mais de 100 representantes da sociedade civil de todos os continentes participaram da conferência presidida pelo embaixador da Argentina, Roberto García Moritán. Entre elas estão o Viva Rio e o Instituto Sou da Paz, do Brasil, Oxfam, Anistia Internacional, Saferworld, Norwegian Church Aid (AIN), Free Tunísia, Iansa, Ceasefire, Transparência Internacional, entre outras.
Não existe consenso sobre o que é consenso
Na Babel de idiomas das Nações Unidas, em Nova York, o maior impasse não é a língua. A maior dificuldade é chegar a um consenso, cuja definição é controversa. Entre as delegações, existem diversas interpretações diferentes sobre o que significaria uma decisão tomada por consenso durante a conferência de julho.
Estados como a Rússia e o Irã defendem a unanimidade. Nesse caso, apenas um voto contrário derrubaria o que está sendo votado. Muitos países estão chamando isso de “tirania do consenso”, em que um Estado impõe sua vontade sobre todos os outros.
Países como Noruega e o México defendem uma decisão por voto, o que desagrada a muitos, pois uma decisão democrática nem sempre significa consenso. A delegação brasileira demonstrou flexibilidade em torno das decisões dos artigos do tratado, mas acha que o documento final deve ser aprovado por consenso.
A participação da sociedade civil tem sido crítica para as discussões, uma vez que é ela que sofre as consequências da circulação indiscriminada das armas de fogo. A grande maioria das delegações, incluindo a do Brasil, demonstrou ser favorável a uma maior participação das ONGs em todo o processo decisório.
Entre as propostas que serão discutidas em julho, estão a criação de um tratado legalmente vinculante que se baseie no Direito Internacional Humanitário e na Lei Internacional de Direitos Humanos; a inclusão de todas as armas convencionais, incluindo as armas pequenas e leves, munições, componentes e partes de armamentos; regulação de todos os tipos de transferências de armas, incluindo exportação, importação e trânsito, bem como a participação de agentes não estatais.
Esperamos que, depois de seis anos de negociações, o mundo não deixe passar a chance de criar uma sociedade mais pacífica. A vida de milhões de pessoas está nas mãos de homens e mulheres que terão um mês para decidir o destino de milhões de armas que hoje vão parar em mãos erradas.
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