27/4/2016
O desejo de resguardar a memória do processo de Mediação de Conflitos nas UPPs deu origem ao livro de mesmo nome, da antropóloga Barbara Musumeci e do secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião (Iser), Pedro Strozemberg, que acaba de ser lançado no Viva Rio.
Enquanto as UPPs vivem o recrudescimento dos conflitos armados em favelas já pacificadas, o livro analisa a instituição da mediação de conflitos, com uma década de existência, tempo considerado insuficiente para sua consolidação.
Sobre tema ainda novo em matéria de segurança pública, a obra reúne os resultados da pesquisa UPP: o que pensam os policiais, iniciada em 2010 e replicada em 2012 e 2014 pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes. O levantamento acompanhou o desenvolvimento das UPPs com base nas percepções dos agentes que atuam no policiamento de ponta.
Em termos práticos, o mediador é um facilitador de diálogos que, sem tomar partido, fazer julgamentos ou sugerir soluções, ajuda as partes em conflito a encontrar por elas mesmas as saídas para as contendas em que se envolveram. A mediação pressupõe que os envolvidos sejam capazes de chegar a uma solução satisfatória para ambos por meio da restauração do diálogo, sem a necessidade de intervenção de uma autoridade externa, como um árbitro ou juiz.
De acordo com Barbara Musumeci, o trabalho de mediação é marcado por uma serie de dilemas que os policiais precisam enfrentar no dia a dia. “Talvez o mais patente de todos seja a necessidade de conciliar a condição de autoridade policial com a posição de terceira parte neutra e imparcial, que a mediação exige. Mas há muitos outros impasses. Para citar apenas alguns exemplos, é clara a discrepância entre a formação policial voltada para o enfrentamento e as exigências do trabalho de mediação, orientado para o diálogo”, analisa.
Além disso o trabalho preventivo dos mediadores e mediadoras, mesmo quando bem sucedido, torna-se muitas vezes invisível, quando não resulta em um acordo formal. “Há também resistências de toda ordem a esse trabalho: de parte da população, de colegas e de alguns comandantes. Porém, essas e outras dificuldades não impediram que o projeto revelasse todo o seu potencial”, acrescenta a antropóloga.
O obra conclui que é possível que a mediação provoque uma quebra de expectativa pelo fato de que uma autoridade policial, de quem se esperariam decisões e julgamentos, agir com neutralidade e atuar na facilitação de diálogos. “Se bem realizada, a mediação transfere para as partes o poder de determinar as saídas possíveis para o litígio, reconhecendo e reforçando sua capacidade decisória.”
Depoimento de uma moradora de UPP da zona Sul dá a dimensão de sua surpresa ao contatar que o mediador do conflito, vestido à paisana, era na realidade um policial: “Ele ligou, pedindo para eu vir assinar o papel no Ministério Público. Ali eu vi que era policial (…). Eu fiquei assim, pasma!”
Cursos de capacitação
Segundo o livro, uma parceria de 2010 da Polícia Militar com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio viabilizou a realização de cursos de capacitação em mediação de conflitos oferecidos aos policiais de UPPs. O primeiro a ser implantado foi no Morro da Formiga, na Tijuca, zona Norte da cidade. Em seguida vieram o Borel, Pavão-Pavãozinho, Providência, Santa Marta, Batan, Rocinha e Complexo do Alemão. Em outubro de 2012 foi estabelecida uma parceria entre o Ministério Público do Rio com a Polícia Militar, que passou a atuar onde havia UPPs em núcleos e plantões itinerantes.
Em junho de 2015 foi aprovada e sancionada a Lei 13.140, que “dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”.
A pesquisa levantou três grandes blocos de controvérsias encontradas pelos mediadores: violências e conflitos familiares (41%); conflitos inespecíficos na comunidade (28%) e brigas de vizinhança (17,7%). Já a posse e uso de drogas motivou 84,4% dos conflitos; o tráfico 68%; rixas/vias de fato 48,6%; violência doméstica, 46,5%, perturbação do sossego 72,3% e desacato 68,8%.
Sem entrar no mérito da possível continuidade do processo, os autores chegam à conclusão que, apesar das dificuldades, “há razões de sobra para que a mediação de conflitos se incorpore à formação e à atividade policial (…) favorecendo a humanização de procedimentos e contribuindo para aproximar a polícia de seu papel primordial no Estado democrático de direito.”
(Texto: Celina Côrtes|Fotos: Paulo Barros e Tamiris Barcellos)