Debate sobre política de drogas reúne autoridades

O Viva Rio sediou a terceira 3ª Conferência Livre Sobre Política de Drogas, com o objetivo de pensar e reunir propostas que serão apresentadas na Conferência Nacional de Juventude, em dezembro, no Distrito Federal. Organizado pela Rede Pense Livre; Secretaria Nacional de Juventude (SNJ); Prefeitura do Rio; pelo Grupo Arco Íris e o Viva Rio, o encontro, realizado na sexta-feira (23), na instituição, contou com a presença de representantes do governo federal, municipal, da classe da médica e de saúde mental e da sociedade civil.

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Rodrigo Abel, secretário municipal de Desenvolvimento Social do Rio | Foto: Vitor Madeira

Para o diretor executivo do Viva Rio, Rubem César Fernandes, o grande desafio para mudar a política de drogas brasileira é romper com a falta de informação. Ele lamentou que, quando se fala de legalização ou até de descriminalização de drogas, “parece que  o problema vai aumentar ao invés de acabar”.  Já o secretário municipal de Desenvolvimento Social, Rodrigo Abel, disse que “se o tema das drogas é tabu na sociedade, isto não é diferente no âmbito das esferas de governo”.

 

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Ana Paula Pellegrino, da Rede Pense Livre, apresenta os participantes | Foto: Vitor Madeira

O secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, reconheceu que se por um lado o STF acena com uma possibilidade concreta de descriminalização, 2015 não está sendo fácil. “Este foi um ano de muitas batalhas para a juventude, os temas vieram, um atrás do outro, e você não sabia o que seria pior”, disse ele, referindo-se à discussão da redução da maioridade penal somada à possibilidade do fim do Estatuto do Desarmamento. Tudo isso com uma frente conservadora defendendo mais encarceramento e punição para os jovens. “É assustador!”, lamentou Medina.

No entanto, nem tudo é pessimismo. A criação de uma plataforma para mapear iniciativas de representantes de igrejas evangélicas em todo o país, na contramão das perspectivas conservadoras, preconceituosas e moralistas foi anunciada pelo  articulador do Viva Rio com as igrejas, Ronilso Pacheco. “No ano passado, conseguimos o apoio de 150 religiosos que se declaram a favor da descriminalização das drogas”, contou ele.

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Ronilso anunciou criação de uma plataforma colaborativa para evangélicos | Foto: Vitor Madeira

Representante do governo federal, o coordenador adjunto de saúde mental, álcool e outras drogas do Ministério da Saúde, Alexandre Trino,  defendeu a construção de políticas públicas que levem em consideração fatores sociais, culturais, psicológicos e familiares. “Os dados do Ministério da Justiça são alarmantes e se avolumam na sociedade brasileira. Em 2015, ouve 46.881 assassinatos, sendo uma das mais altas a taxa do Rio de Janeiro: 5.850 mortes para cada 100 mil habitantes”. Trino alertou também que alguns fatores reforçam a exclusão social dos usuários de drogas como,  por exemplo, o costume de associá-los delinquência. “Isto só reforça o estigma e promove a segregação social”. Por fim, ele criticou as políticas de drogas que exigem do paciente a abstinência para que ele tenha o acolhimento: ‘Estas pessoas já estão sofrendo e não têm a menor condição de serem exigidas em termos burocráticos”, afirmou.

 

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Trino, do Ministério da Saúde: ““Os dados são alarmantes, preocupantes” | Foto: Vitor Madeira

Criminalização não é a solução

A defensora pública Eufrásia Maria de Souza, da Coordenadoria dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, disse que os adolescentes acusados de envolvimento com tráfico de drogas são vítimas de uma das piores formas de trabalho infantil, “conforme a Convenção 182 da ONU, ratificada no Brasil. Sendo assim, não deveriam ser punidos, mas encaminhados a programas de apoio e à família”. A defensora revelou que 41% dos adolescentes acusados de praticarem atos infracionais são também acusados de trabalhar com tráfico de drogas. Apenas 8% dos adolescentes são acusados de crimes violentos contra a vida. “Isso envolve a discussão sobre a maioridade penal, sim, mas também coloca em cheque as políticas públicas. O que se pretende é o encarceramento, quando o adolescente precisa é de políticas de atendimento, de inclusão social, de promoção e garantia de direitos”, defende.

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Eufrásia de Souza é coordenadora do núcleo de direitos do adolescente | Foto: Vitor Madeira

Guerra à política de guerra às drogas

Morador da favela da Mangueira, integrante do Grupo Arco Íris e do Conselho Nacional de Juventude (Conjuv), Pablo Brandão é um dos realizadores da Conferência. Como morador de favela, ele diz que é importante mobilizar parceiros e unir forças para lutar contra todo tipo de preconceito: “A guerra às drogas é uma coisa horrível”.

O segundo painel trouxe o tema Drogas e Juventude e com ele, a certeza de que é preciso repensar as políticas públicas para os jovens, considerando as particularidades de cada um.  Não é segredo que uma geração de jovens negros, a maioria do sexo masculino, está sendo assassinada nas periferias de todo o país. Em muitos casos, estes jovens morrem em confrontos com a polícia, perto de suas casas. “A guerra às drogas não prioriza a vida e é espantoso como os dados de homicídios destes jovens não causam mais indignação nas pessoas”, lamentou Renata Nerer, da Anistia Internacional. “Os estereótipos negativos que associam as vítimas ao crime, têm tudo a ver com esta indiferença. A indignação também é seletiva”, conclui.

 

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Gabriel Medina é secretário nacional de Juventude | Foto: Vitor Madeira

“Temos que tirar estas pessoas dos presídios e colocá-las nas escolas, nos estádios, no esporte. Vamos esvaziar os presídios, pegar este dinheiro, que é muito, e proporcionar mais estágios, mais cultura, mais esporte,  mais ciência. É uma grande e eficiente bandeira desta juventude consciente e organizada”, propôs o deputado Carlos Minc.

 

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O deputado Minc sugeriu investimento em esporte para a juventude | Foto: Vitor Madeira

A reflexão final é do secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina: “Qualquer coisinha encarcera. São casos de violações e tortura que precisamos enfrentar . Houve melhoras nos últimos anos, mas ainda “medicalizam” (nas instituições socioeducativas) os adolescentes de tal forma que eles ficam completamente grogues. Isto não é droga, é droga lícita”.

Tarde

Tanto o major Leonardo Nogueira, assessor da Polícia de Proximidade da Coordenadoria da Polícia Pacificadora, quanto Raul Santiago, do Coletivo Papo Reto, do Complexo do Alemão, começaram suas falas na mesa sobre Juventude e Violência, à tarde, perguntando quem já tinha usado drogas ou se portava drogas. Em ambos os casos, vários braços se levantaram.

Embora ponderasse que o porte “provavelmente” fosse para consumo próprio, Nogueira observou que sua obrigação seria levar as pessoas que portassem drogas à delegacia, “ou estaria prevaricando”. “Percebemos que esse tipo de norma legal não atende a sociedade em que vivemos”, reconheceu.

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O major Leonardo Nogueira, assessor da Polícia de Proximidade|Foto: Amaury Alves

O major lamentou o discurso de ódio e disputa predominantes, “digladiamos, desvalorizamos a vida sem dar atenção ao próximo, ao ser humano, com farda ou de bermuda e sandálias”, completou. Ele destacou que o conceito de segurança pública é constituído pelo somatório de ações da polícia e de políticas públicas, “que provenham a política cidadã”.

O policial destacou que quem morre nas favelas são os pretos e pobres, sejam eles policiais ou traficantes, “enquanto os barões do tráfico continuam voando em seus jatinhos. É uma das indústrias que mais lucra no mundo”, contabilizou. Segundo Nogueira, a América Latina é muito violenta e o Brasil apresenta a vergonhosa estatística de 58 mil morte por ano, a maioria causada por armas de fogo.

Bomba relógio

Raul Santiago fez um triste levantamento sobre números recentes do Alemão, com mortes tanto de moradores quanto de policias. “Hoje mesmo havia uma operação policial e meu filho nem pode ir à escola. Já os jovens pretos e favelados só aparecem quando deu erro nos arrastões das praias da Zona Sul. Li que a corporação policial está sem dinheiro, comendo salsicha com arroz, e ainda tem que aguentar uma situação de guerra”, denunciou. “Vamos continuar culpando a polícia e o tráfico?, questionou.

Raul Santiago

Raul Santiago, do Coletivo Papo Reto|Foto: Amaury Alves

Walmyr Júnior, do Coletivo Enegrecer da Maré e coordenador do Grupo de Trabalho Juventude Negra, deixou no ar uma provocação: “favela é senzala, bomba relógio prestes a estourar”.

Walmyr Junior

Walmyr Júnior, do Coletivo Enegrecer da Maré| Foto: Amaury Alves

Sob a mediação de Alan Borges, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, os pronunciamentos foram discutidos por grupos de trabalho, cujos resultados serão encaminhados à 3ª Conferência Nacional de Juventude.

(Texto: Sol Mendonça e Celina Côrtes| Fotos: Vitor Madeira e Amaury Alves)

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