O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, abordou o tema em função da próxima decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do porte de drogas para uso próprio. Para o ministro, ainda predomina no Brasil uma cultura da autoridade policial de “forçar a barra de que todos são traficantes”, como afirmou na sede da OAB-RJ durante o nono encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O ministro descreve o julgamento como uma possibilidade de tipificação para distinguir usuários de traficantes, o que tem contribuído para lotar os presídios brasileiros de jovens negros moradores das periferias. “O usuário deve ser submetido a tratamentos de recuperação”, recomendou.
O presidente da Fiocruz e da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), Paulo Gadelha, vai além. Não posso dizer o que está na cabeça dos juízes, mas é um momento histórico e certamente o atual estado das coisas não será mantido.”
Gadelha chegou a comparar o julgamento à postura brasileira em relação à Aids, que projetou o país internacionalmente por suas boas práticas.
O julgamento do STF é resultado da liberação do voto do ministro Gilmar Mendes, em junho. Trata-se do resultado do movimento da Defensoria Pública de São Paulo, que recorreu contra a punição por porte de drogas de um homem flagrado com três gramas de maconha, sob a alegação de que a proibição do porte para consumo próprio ofende os princípios constitucionais da vida privada.
O crime está previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06, que fixa penas de privação da liberdade para “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização”. Uma decisão favorável vai impactar outros processos em todo o país.
Para Gadelha, “o Supremo tem uma responsabilidade imensa, é a instituição capaz de conferir algum bom senso nesse processo. Seja do ponto de vista científico, do direito à privacidade, das questões mais fundamentais eleitas pelas pessoas para seus atos de vida ou mesmo pelo avanço que percebemos hoje na percepção internacional sobre este tema”, argumentou.
Exemplos internacionais
O presidente da Fiocruz citou o exemplo americano, origem da guerra às drogas, que hoje já reconhece, em vários estados, o fracasso desta política. “A maconha não deixa de ser um caso exemplar. Há fortes evidências mostrando que seu uso é menos danoso que o do álcool ou do tabaco.” Ele diz que é “evidente que o processo de exclusão se dá por situações de classe social, de etnia”, referindo-se aos presídios lotados de pretos e pobres.
Gadelha acredita numa revisão da legislação, como já aconteceu na Holanda, Portugal, Estados Unidos e agora no Uruguai: “Lá aconteceu também pelo próprio enfrentamento da violência, associado ao circuito ilegal da comercialização da maconha, droga mais comum.” Ele destaca que o país sul-americano mostrou a necessidade de discussão das convenções internacionais, “ainda centradas no modelo proibicionista e da guerra às drogas. O Uruguai reivindica que os países tenham liberdade de interpretação a partir de suas realidades social e histórica”, acredita.
Para ele, ainda predomina a exploração da sensação de medo para reforçar o preconceito, em detrimento de informações científicas, a exemplo de pesquisas feitas há pouco mais de um ano pela Fiocruz sobre o uso de crack e o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, em andamento. A CBDD, por sua vez, elegeu o tema para debate a fim de contribuir “para um modelo de sociedade inclusiva, capaz de olhar para as diferenças, de pensar a constituição da sociedade pelo lado do acolhimento, do cuidado ao sofrimento.”
Expectativa da Defensoria Pública
A expectativa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro também é positiva em relação à decisão do STF. “Estamos confiantes que o STF reconhecerá a inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso próprio, a exemplo dos tribunais constitucionais da Argentina e da Colômbia”, afirma o defensor público do Núcleo de Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Rio, Daniel Lozoya.
Para ele, “trata-se de um passo muito importante para a ampla reformulação das políticas públicas sobre drogas, que precisam avançar no sentido de criar alternativas à atual falida e violenta política proibicionista”.
(Texto: Celina Côrtes|Fotos: Paulo Borges e Vítor Madeira)