Especialistas querem debate sobre drogas

A campanha Da proibição nasce o tráfico, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC RJ) da Universidade Cândido Mendes circulou por 30 dias no Rio. “Quando chegou a São Paulo, foi proibida pelo governador Geraldo Alckmin, que afirmou que estamos fazendo apologia às drogas. Entramos com um mandado de segurança, mas perdemos. Estamos recorrendo”, disse nesta quinta-feira (30), a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora da campanha, no encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 

Painel abordou o assunto Drogas no Forúm Brasileiro de Segurança Pública

Painel abordou o assunto Drogas no Forúm Brasileiro de Segurança Pública | Foto: Paulo Barros

 

 

Julita coordenou a mesa Políticas de Drogas e Violência Letal da qual participaram a diretora executiva do Instituto Igarapé e integrante da Comissão Brasileira de Drogas e Democracia (CBDD), Ilona Szabó de Carvalho; o secretário Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça (Senad/MJ), Vitore Maximiniano; e o psiquiatra e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier da Silveira.

A campanha traz peças de cinco cartunistas, como Laerte e Angeli, que foram convidados para criar cartazes que pudessem “desafiar o senso comum, desconstruir ideias cristalizadas e trazer informações à população sobre as drogas”.  Julita disse que vai recorrer da decisão da Justiça de São Paulo, de impedir a circulação da campanha, criada, segundo ela, para estimular o debate público no Brasil sobre os danos que a proibição de determinadas drogas causa à sociedade.

Os quatro especialistas discutiram os efeitos negativos da proibição no Brasil e a necessidade de se regular a questão do consumo. Eles também afirmaram que é preciso retirar o controle das mãos dos traficantes. Estamos aguardando o Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar esta questão. Se os ministros sinalizarem, isto poderá ajudar na criação de modelos de regulação para cada droga”, disse Ilona, sobre a decisão pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei das Drogas, que prevê pena de prisão para o usuário.

 

Ilona Szabó, do Instituto Igarapé, está confiante sobre decisão do STF que prevê pena do usuário | Foto: Paulo Barros

Ilona, que é também coordenadora executiva da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, reiterou para a urgência de se descriminalizar o porte de drogas para o consumo próprio e afirmou que são as políticas proibicionistas que geram a violência.  Ela também disse que após cinco anos de trabalhos, a comissão concluiu que “é melhor ter drogas que podem fazer algum mal reguladas responsavelmente a continuar tendo drogas ilegais controladas irresponsavelmente”. Segundo ela, hoje o que temos é “a política do libera geral e gerenciada por quem não tem nenhum compromisso com a nossa saúde.”

O professor Dartiu da Silveira, que faz cerca de 700 atendimentos por mês na Unifesp com dependentes de álcool e outras drogas, divulgou dados de uma pesquisa americana feita em 2004 que revelou que 15% de pessoas que usam álcool podem se tornar dependentes. Com relação às drogas ilícitas, em um universo de 100%, apenas 9% das pessoas que fumam maconha correm esse risco; com a cocaína e crack, as proporções não ultrapassam 17% e 25% dos usuários que se tornam dependentes. “Não quero banalizar a questão, mas é apenas uma minoria de usuários que podem desenvolver um uso problemático”.

 

O médico e professor Dartiu da Silveira lamentou o preconceito no meio acadêmico | Foto: Paulo Barros

A guerra às drogas foi bastante questionada pelos debatedores. “No Brasil, houve um encarceramento desmedido a partir de 2006 (ano que a Lei das drogas entrou em vigor). Entre 2005 e 2010, houve o fenômeno do hipercarceramento”.

O professor também denunciou o preconceito que ainda existe no meio acadêmico. “Falar de prevenção é muito difícil quando se fala em maconha. Por causa de desinformação, há uma burocracia a ser enfrentada até para realizar uma pesquisa científica. Alguns alunos já desistiram do tema por conta disso, foram pesquisar álcool. “Não se trata de apologia à maconha, como dizem, é  a ideologia do proibicionismo, que causa uma lavagem cerebral nas pessoas”.

“Droga é, antes de mais nada, uma questão de saúde. Em relação à população global, a média fica de 10 a 12% das pessoas que podem incorrer em uso problemático em um universo de 100% de pessoas que usam drogas. Enquanto isso, pessoas que poderiam fazer uso da maconha para sofrer menos com dores crônicas e agudas têm dificuldades”. O proibicionismo está dificultando a vida das pessoas” aponta Ilona.

O secretário nacional da Política de Drogas também acredita que “os danos causados pela maconha são danos do proibicionismo”. Recém-chegado de uma viagem ao Equador para tratar do tema, Victor Maximiano afirma: “Estamos vivendo dois momentos: de um lado droga x pobreza; e do outro, droga x violência”. Esta questão, a seu ver,  não é tratada de forma aprofundada como deveria ser.

 

Vitore Maximiniano, secretário de Políticas sobre Drogas, disse ser um equívoco atribuir violência ao uso de drogas | Foto: Paulo Barros

Ele lembrou que na, década de 1980, a Europa vivia uma situação preocupante com o consumo da heroína aliado à epidemia de AIDS. E que hoje o consumo de droga deixou de ser um problema social no continente europeu, o que ele considera como algo extremamente relevante e importante. “Muitos países buscaram alternativas, como Portugal que apenas adotou uma política de descriminalização. No continente sul-americano, todos os países, exceto o Brasil, já descriminalizam o usuário. Temos ainda um agravante que é a falta de critérios objetivos que definem a quantidade do que seja porte de droga para uso pessoal” disse ele.

A guerra às drogas também foi descrita como uma política sabidamente fracassada no Brasil. Para todos eles, “É um grande equívoco que não encontra qualquer base científica associarmos o uso abusivo à prática da violência”.

(Texto: Sol Mendonça. Fotos: Paulo Barros)

 

 

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