“Antes de mudar, precisamos cumprir a lei. Estamos encarcerando pessoas que são pequenos consumidores”. A fala do deputado Carlos Minc, na sexta-feira (08), durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), foi uma crítica às recorrentes prisões de cultivadores e usuários de maconha que vêm ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro.
O Viva Rio participou da discussão ao lado de ativistas, advogados, policiais, parlamentares, autoridades e lideranças do movimento pró-descriminalização. O encontro foi solicitado pelos organizadores da Marcha da Maconha, motivado pelas diversas prisões de cultivadores de cannabis para consumo próprio, apesar do que do Artigo 28 da Lei nº 11.343/06 vedar a detenção de consumidores e pequenos produtores.
A questão da indefinição relativa à quantidade que separaria usuários e traficantes rendeu muita polêmica. Os ativistas foram irônicos ao relembrar casos em que plantas apreendidas em posse de cultivadores foram pesadas junto de terra e de vasos nos quais estavam instaladas. Os policias presentes, por sua vez, disseram que não interessa à polícia simplesmente deter. “Soltamos 98% das pessoas que chegam até nós, é um problema de saúde”, declarou o delegado Antenor Lopes, da Delegacia de Combate Às Drogas.
“Não sei se é a questão da quantidade que realmente importa”, avaliou Ronaldo Oliveira, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE). “Para fazer uma prisão, temos que avaliar e investigar as circunstâncias e o local onde o fato ocorre”, lembrou, citando um caso em que um traficante foi detido com apenas um papelote de cocaína.
Também nessa linha, o advogado Ricardo Nemer declarou que a polícia precisa se atualizar para entender o que é um usuário medicinal, por exemplo. “Tem que se ater à informação científica e criar outras provas de que existe o tráfico”, defendeu. Nemer sugeriu a implementação de audiências de custódia no Tribunal de Justiça do Rio, como já é feito em São Paulo — em que uma comissão decide em até 24 horas sobre a necessidade de manutenção, ou não, da prisão.
Representante do Viva Rio no debate, Ronilso Pacheco relembrou a trajetória da instituição na militância pela mudança da lei. Marcada pela tentativa inovadora de se aproximar de diferentes setores da sociedade, a campanha “É Preciso Mudar” contou com a participação expressiva de lideranças religiosas. “Essa aproximação nos ajuda a desconstruir a ideia hegemônica do evangélico conservador e retrógrado”, lembrou ao citar o manifesto assinado por 150 pastores e entregue ao então presidente da Câmara Henrique Alves e, posteriormente, à presidente Dilma Roussef.
Preso por causa da denúncia feita por um vizinho, o músico e ativista Pedro Pedrada disse que mesmo sem oferecer nenhuma resistência, foi detido e mantido preso por quinze dias por plantar maconha. “Meu caso só mudou quando a mídia chegou”, denunciou.
Leia o artigo do defensor público Daniel Nicory sobre o caso Pedro Pedrada
O professor e editor da Revista Maconha, Francesco Ribeiro, foi taxativo. “A polícia sofre do mesmo mal que a sociedade: a ignorância”, concluiu. “Os cultivadores têm expertise que poderia ser usada pela polícia para qualificar os agentes de segurança”, propôs.
Para o advogado Emílio Figueiredo, os cultivadores deveriam ser vistos como aliados da polícia no combate à violência, e não como inimigos. “Quem planta sua maconha em casa está enfraquecendo o tráfico”, disse.
O vereador Renato Cinco lembrou aos presentes o histórico da repressão à Marcha da Maconha em todo Brasil. “Em onze estados, o Ministério Público pediu a proibição”, disse. A Marcha da Maconha do Rio se reuniu para sua manifestação anual neste sábado (09), na Praia de Ipanema. Cinco disse que a lei é perversa ao colocar na subjetividade a definição do que é ou não tráfico. “Temos que defender os que sofrem preconceito de classe, pois esses não estão aqui para se defender”, alertou.
“A verdade é que estamos atrasados”, lamentou Ronilso Pacheco. “Ficamos aqui tentando chegar a uma conclusão sobre o Artigo 28. Temos que dizer o quão terrível e avassaladora essa guerra é para os negros, para as comunidades. Vidas estão sendo perdidas e estigmatizadas”, concluiu.
(Texto: Renata Rodrigues | Fotos: Paulo Barros)