Rotina de violência marca 50 anos da Vila Kennedy

Barricadas feitas com sofás e pneus, feira livre de drogas e tiroteio intenso já entraram na rotina dos 120 mil moradores da Vila Kennedy, que nos últimos anos viram o crescimento da violência no bairro. Para facilitar o policiamento e monitorar os níveis de agressividade do local, o secretário estadual de segurança do Rio, José Mariano Beltrame, anunciou a instalação de uma Companhia Destacada, no primeiro trimestre deste ano. A ação, que levará 60 policiais para a vila, coincide com as comemorações dos 50 anos de criação do bairro.

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Vista panorâmica da Vila Kennedy: o bairro foi criado durante a Guerra Fria pelo presidente americano  John Kennedy

A comunidade foi fundada com a ajuda do governo norte-americano no auge da Guerra Fria com o objetivo era neutralizar o avanço do comunismo, na gestão então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. Os recursos aplicados na construção da Vila Kennedy vieram da Aliança para o Progresso, um amplo programa cooperativo destinado a acelerar o desenvolvimento econômico e social da América Latina. O bairro recebeu parte das famílias removidas das comunidades da Catacumba e Praia do Pinto, na Lagoa; Morro do Pasmado, em Botafogo; Favela do Esqueleto, onde fica a atual Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); e Maria Angu, em Ramos.

Essa origem peculiar está quase extinta da memória dos moradores, que ainda tem esperança em mudanças em um bairro tão castigado pelo tráfico armado.  O correspondente comunitário do Viva Favela, Guilherme Junior, é um dos que luta por melhorias. Ele estipulou como meta varrer dos sites de busca toda e qualquer notícia de violência sobre a Vila Kennedy, criar conteúdos diferenciados de seu bairro e publicá-los no site do Viva Favela. “Fico triste quando vejo reportagens de violência envolvendo o meu lugar. Como se existisse somente isso. Acho que a informação é o melhor remédio para curar a falta dela”.

Ao se assumir como porta-voz da Vila Kennedy, Guilherme acredita que tem um papel importante na desmistificação de alguns mitos e inverdades sobre a região. “Quero mostrar as caras bonitas que fazem da minha comunidade um lugar agradável de viver”.

Guilherme Júnior critica a forma como a VK é descrita e acredita que “a informação é o melhor remédio para curar a falta dela”

Guilherme explica que os moradores mais antigos reclamam muito da violência. “Falam que na época deles as crianças estavam na escola e não havia menores vendendo entorpecente nas esquinas da comunidade”. O retorno para tempos melhores é uma incerteza e o descaso do poder público é a grande preocupação de todos. “A Vila Kennedy de ontem era um lugar de sonho e esperança, mas hoje é um misto de miséria e insegurança”.

O correspondente é fundador da Mostra de Cinema Curta VK. A ideia de criar o festival surgiu quando participava de um programa de intercâmbio na cidade do Porto, em Portugal, logo após se formar na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Através do audiovisual posso buscar em qualquer pessoa uma reflexão sobre a realidade. O cinema tem o poder de informar subjetivamente. Gosto disso”, disse.

O festival exibe longas e curtas-metragens e também filmes produzidos pelos próprios moradores, que são avaliados por profissionais. São várias exibições e o vencedor de cada categoria recebe um prêmio que pode ser um troféu ou equipamento de audiovisual. Guilherme conta com a ajuda de cinco amigas para tocar o Curta VK, são elas: Érica Magni, Luana Dias, Debora Pio, Isabele Aguiar e Isabel Navega.

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O bairro foi presenteado com uma replica da Estátua da Liberdade, simbolo do governo americano

A Vila Kennedy fica localizada em um vale entre as serras do Mendanha e da Pedra Branca, distante mais de 40 quilômetros da região central da cidade, nas margens da Avenida Brasil. A localização facilitou a chegada de armas e dos criminosos. Como em muitas comunidades sob domínio do poder paralelo, os traficantes ditam regras como proibir a circulação de carros com vidro fumê e farol alto, além de cobrar taxas sobre o gás vendido dentro do bairro.

Depois de 50 anos, os traços norte-americanos não são tão aparentes. A maior representatividade da terra do tio Sam está na Estátua da Liberdade, localizada na praça Miami. Cercado pelo comércio local, o monumento é um dos pontos de encontro dos moradores, que dividem espaço com a falta de segurança e o descaso do poder público.

 

Texto Flávia Ferreira
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