Hannah Hetzer analisa lei da maconha do Uruguai

Pode-se dizer que a vida de Hannah Hetzer, 26 anos, tem sido uma viagem ao redor do mundo. A jovem embarcou na Itália e seguiu para o Uruguai, não sem antes fazer escalas na Bélgica, Áustria, Inglaterra, Estados Unidos e até em Israel. Nesse ínterim, tornou-se especialista em política de drogas e uma das gerentes da Drug Policy Alliance (DPA), organização norte-americana que luta pelo fim da repressão ao uso de entorpecentes.

Residente em Montevidéu, Hannah, que visitou o Viva Rio, tem acompanhado de perto as transformações do Uruguai. O país poderá entrar para a história como o primeiro a estatizar e regular a produção e o consumo de maconha no mundo – a proposta de lei já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e tem grandes chances de ser bem-sucedida no Senado nos próximos meses. Ironicamente, a medida “vanguardista” ocorrerá em um dos locais mais seguros de toda a América Latina. “O governo uruguaio tem um senso de prevenção muito grande. Embora o problema do tráfico não seja dominante, houve um aumento de violência nos últimos anos e a proposta é uma resposta a isso, tanto que faz parte de um pacote de leis de segurança”, analisa.

Gerente da Drug Policy Alliance, Hannah Hetzer fala sobre o projeto de legalização da maconha no Uruguai durante visita ao Viva Rio

A gerente da DPA admite que o apoio popular ao projeto de lei ainda é baixo (29%), porém enxerga uma ascensão. No início, faltava comunicação entre o governo e os uruguaios. “O primeiro material veiculado sobre o tema era vago e gerava dúvidas. Hoje, a proposta tem 44 artigos e está bem melhor estruturada”, diz. De acordo com Hannah, a população está começando a entender que essa não é uma lei pró-maconha. “Regular uma prática não significa concordar com ela. O povo vem compreendendo essa ideia, tanto que o índice de aprovação avança no ritmo de um a dois pontos percentuais por mês”.

Se o Uruguai será o primeiro de muitos países do continente a mudar sua política de drogas, não há como garantir. Mas, na concepção de Hannah, existe uma predisposição neste sentido, ainda que retórica.  “Vejo movimentos no México, principalmente na capital. Equador e Chile também parecem engajados. No geral, há uma vontade de fazer algo para mudar a política repressiva, mas sem saber como. O Uruguai poderá ser um guia”, vislumbra.

Volta ao mundo em pouco mais de duas décadas

Com pai austríaco e mãe americana, Hannah nasceu em Trieste, cidade do nordeste italiano.  Na adolescência, já tendo passado temporadas em Bruges e Viena, permaneceu seis meses num kibutz israelense (espécie de comunidade coletiva voluntária). “Minha mãe é judia. Acabei influenciada por ela”, recorda-se. Após a experiência no Oriente Médio, rumou para a Inglaterra, onde estudou Política e Relações Internacionais na prestigiada Universidade de Warwick.

Foi durante um estágio de verão no Escritório de Drogas e Crime da Organização das Nações Unidas (UNODC) que se deparou pela primeira vez com o impacto global da comercialização de drogas. O tema voltaria definitivamente à sua rotina alguns anos depois, quando Hannah trabalhava na ONG Human Rights Watch, em Nova York. “Meu principal objeto de estudo era o México, então não tive como evitar o tráfico”, brinca.

O país abriu as portas da América Latina para a jovem multilíngue. Ela começou a conduzir suas próprias pesquisas e descobriu que o debate sobre a reforma nas leis de drogas perpassa outros dilemas do continente, como a má estrutura do sistema carcerário, criminalização da pobreza e das minorias étnicas, insuficiência do sistema de saúde e violação aos direitos humanos. Sua dedicação a fez ser contratada pela Drug Policy Alliance, tornando-se única gerente da entidade para assuntos internacionais. “As nações latinas são meu alvo principal no momento devido à densidade da pauta”, relata.

Segundo Hannah, a discussão sobre drogas na América Latina tem uma diferença crucial em relação aos Estados Unidos. Aqui, a necessidade de reforma é pleiteada por políticos e acadêmicos, mas o público não se manifesta no mesmo ritmo. Nos EUA, ocorre o oposto. Mais de 50% dos americanos são favoráveis ao uso recreativo da maconha, por exemplo, e quase 80% admitem seu uso medicinal. Colorado e Washington foram as primeiras jurisdições do mundo a legalizar a erva. “Há o pensamento de que a repressão não leva à segurança. Teremos outros estados aderindo à causa em breve, apesar da resistência de alguns grupos políticos”, relata.

 

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