Estatuto do Desarmamento preservado: A vitória da vida sobre a morte

Mais uma vitória da vida sobre a morte. A “bancada da bala” não conseguiu seu intento de revogar o Estatuto do Desarmamento na Câmara Federal. O Projeto de Lei 3722, que buscava às pressas e sorrateiramente substituir a presente lei de controle de armas, que em seus 11 anos de existência já salvou milhares de vidas, vai ser arquivado.

No último dia 17, a mobilização das forças sociais em defesa da segurança pública impediu que se realizasse a última sessão da Comissão Especial, criada sob a influência da indústria e do comércio de armas e munições para acabar com o controle sobre as vendas e uso de armamento no Brasil, garantido pelo Estatuto. Suspensa essa reunião por determinação do Presidente do Senado, com o término da atual legislatura, encerra-se a vigência da Comissão. O referido Projeto de Lei e seu Substitutivo serão arquivados. Só restará ao lobby dos que faturam com a venda de armas reiniciar sua ação para solapar a atual lei no próximo ano legislativo, mas dessa vez enfrentarão uma sociedade civil vigilante, em defesa da prevalência da segurança pública sobre a ganância de um pequeno grupo de empresários.Se querem mudanças na lei, terão que se submeter ao debate democrático, à apreciação pela opinião pública das pesquisas acadêmicas que revelam os benefícios trazidos pelo Estatuto, ao reduzir drasticamente os homicídios por arma de fogo no país. Não mais conseguirão revogá-lo na calada da noite.

Desta vez, embora pegos de surpresa por uma Comissão que agiu na penumbra e sem transparência, impedindo o debate interno, a participação da sociedade e de especialistas durante Audiências Públicas – como é garantido pelas normas de funcionamento das comissões parlamentares -, só não derrubaram o Estatuto porque em questão de dias amplos setores da sociedade e do governo se mobilizaram em sua defesa. Os principais protagonistas desse episódio, que ficará na história como uma espetacular vitória da sociedade sobre o interesse de um pequeno grupo de empresários, foram:

1) Os deputados e senadores que saíram em defesa do Estatuto, sob a liderança dos deputados Alessandro Molón (PT/RJ) e Paulo Teixeira (PT/SP), apoiados pelos deputados Ivan Valente (PSOL/SP), Erika Kokay (PT/DF), Luis Couto (PT/PB), Sibá Machado (PT/AC), Jean Willys (PSOL/RJ) e pelo Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL). Além de atuarem no controle de armas na Comissão, esses parlamentares conseguiram repetir o que se havia alcançado durante a própria votação do Estatuto em 2003: colocar a defesa da segurança pública e dos cidadãos acima das divergências partidárias. Também dessa vez se uniram PT, PSDB, PMDB e PSOL para impedir um golpe parlamentar, que aprovaria um Projeto de Lei sem garantir à oposição as mínimas condições de debatê-lo e rechaçá-lo, pisoteando as normas regimentais que regem o funcionamento das Comissões Parlamentares.

2) O trabalho voluntário das ONGs que se reúnem na rede Desarma Brasil, em luta pelo controle das armas e munições e em defesa do Estatuto, como o Viva Rio, Pró-Vítima, Sou da Paz, Mov Paz, Pazeando etc – sem qualquer apoio (ao contrário do lobby milionário de deputados e ONGs financiados pela indústria de armamento) -, mobilizaram a sociedade que no último dia 10 lotou o auditório da última reunião da Comissão Especial. Eram principalmente familiares de vítimas de arma de fogo protestando contra o processo anti-democrático de decisão. Foram produzidas uma análise e crítica ao Projeto de Lei que visava liberar o porte de armas; denunciadas as manobras parlamentares da “bancada da bala” na imprensa; pressionado o Executivo a se manifestar e cobrado o posicionamento de lideranças políticas que colaboraram com os deputados defensores do Estatuto.

3) A Polícia Federal, maior responsável pela implementação do Estatuto, depôs na Comissão e sempre manifestou sua importância no combate ao crime e na preservação de vidas. Também teve grande importância o apoio da Federação Nacional de Entidades de Oficinas Militares Estaduais (FENEME), que reúne a nível nacional os oficiais das Polícias Militares e do Corpo de Bombeiros. Com a autoridade de quem tem a missão de proteger o cidadão, a FENEME demonstrou a importância do Estatuto do Desarmamento para facilitar o trabalho da polícia, com o apoio do Conselho Nacional de Segurança Pública, que reúne as diferentes categorias profissionais que operam a área de segurança pública, e de representantes da sociedade civil, como o movimento de defesa dos negros, das mulheres, das minorias sexuais, das ONGs e outros setores vítimas da violência das armas. Seus membros se manifestaram em defesa do Estatuto e se somaram ao coro dos que, durante a reunião da Comissão Especial, exigiram um processo democrático de decisão. A igreja católica também tem sido uma grande defensora do Estatuto, elogiado pelo Papa em audiência concedida a membros do movimento internacional de controle de armas, defendido publicamente por Frei Beto e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

4) Especialistas em segurança pública, que divulgaram os resultados de suas pesquisas, dados científicos que comprovam os bons resultados do Estatuto do Desarmamento e os riscos de se voltar às condições calamitosas de antes de sua promulgação, como Gláucio Soares (UERJ e Universidade da Flórida), Daniel Cerqueira (IPEA), Luiz Eduardo Soares (UERJ), Antonio Rangel Bandeira (Viva Rio, Rede Desarma Brasil e ONU), Cláudio Beato (UFMJ), Ignácio Cano (UERJ), Túlio Kahn (USP), Luis Flávio Sapori (PUC/MG), Daniel Mack e Bruno Langeani (Sou da Paz), Julita Lembruber (CESEC) e Luciana Phebo (epidemiologista, UNICEF), entre outros.

5) O Ministro da Justiça, Luiz Eduardo Cardozo, que apelou ao bom senso do Congresso para não revogar a atual legislação, que tem demonstrado resultados positivos na contenção da violência armada.

6) Os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso, que se manifestaram publicamente em defesa do Estatuto, colaborando para que os parlamentares do seu partido saíssem em defesa da lei atual.

7) Os Secretários de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, de São Paulo, Fernando Grella, e Espírito Santo, André Garcia, que declararam a importância que o Estatuto tem tido em seu trabalho vitorioso de redução da violência armada em seus Estados.

A partir da mobilização democrática desses atores sociais, o Congresso Nacional teve sensibilidade para ouvir a voz das vítimas e dos que conhecem o verdadeiro impacto do descontrole das armas de fogo no aumento dos homicídios e na insegurança dos lares, arquivando o Projeto de Lei mercenário, que visava sobrepor o interesse de um grupo privado à segurança das famílias brasileiras. Da próxima vez, este setor que tem demonstrado desprezo pela segurança da população encontrará a sociedade em alerta, em defesa do Estatuto do Desarmamento. A luta continua!

(Texto: Antonio Rangel)

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