2013: o melhor ano para a política de drogas

Essas são algumas reflexões sobre o que aconteceu em 2013, provavelmente o melhor ano que eu já tive em todo esse tempo que trabalho pelo fim da guerra às drogas. A grande notícia da semana passada veio do Uruguai, onde o Senado aprovou uma lei promovida pelo presidente José Mujica para legalizar a maconha. Para a Drug Policy Alliance (DPA), foi uma honra estarmos envolvidos no processo, assim como estivemos em Colorado e Washington.

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Ethan: Para nenhuma outra lei se dispõem tantos recursos e se aplicam com tanto rigor, ao mesmo tempo em que tanta gente a considera tão desnecessária

Uma das minhas colegas, a Hannah Hetzer, ficou em Montevidéu a maior parte do ano atuando como articuladora entre ativistas e especialistas dos EUA e do Uruguai, além de trabalhar em campanhas públicas de educação junto a organizações da sociedade civil uruguaia. Esse país hoje se tornou o primeiro a regular legalmente a maconha, ultrapassando a Holanda, onde as vendas a varejo são toleradas, mas a produção e a distribuição continuam ilegais. Nós permanecemos firmes no apoio aos nossos amigos e aliados no Uruguai para enfrentar os desafios da fase de implementação da nova lei.

Eu não gosto de utilizar a expressão “ponto de inflexão” à toa, pois alguém sempre pode dizer que você já anunciou tantos pontos de inflexão que perde sua credibilidade. Mas acho que dessa vez nós realmente chegamos a um ponto de inflexão quanto à legalização da maconha por três razões. As vitórias de 2012 em Colorado e Washington foram notáveis, pois nos respectivos referendos se superou o 55% dos votos (o que já é mais do que o presidente Obama conseguiu no Colorado e quase tanto quanto ele foi votado em Washington). Os governadores dos dois estados se comprometeram de boa fé a implementar as leis e o governo Obama, para minha surpresa, decidiu não obstaculizar esse esforço. Enquanto isso, a última pesquisa Gallup sobre a maconha mostrou um expressivo aumento de dez pontos no apoio popular à legalização– de 48% em 2012 a 58% hoje. Esses resultados foram confirmados por pesquisas públicas e privadas feitas em vários estados, inclusive em aqueles em que menos se esperaria como Missouri, Indiana, Texas, Florida e Louisiana.

Qual é próximo passo nessa frente? Estamos trabalhando com aliados locais em Washington D.C., inclusive com membros da câmara municipal, para avançar na descriminalização da maconha, e também no estado de Oregon, onde está quase certa uma votação sobre a legalização da maconha em novembro de 2014. Também fizemos e apresentamos uma iniciativa de legalização na Califórnia e decidiremos nos próximos meses se iniciamos a coleta de assinaturas para realizar um referendo; isso vai depender em boa medida de garantir que haverá financiamento suficiente para justificar dar esse passo no estado mais populoso (e, portanto, mais caro) do país. Enquanto isso, estamos determinados a legalizar a maconha medicinal no estado de Nova York, o único do Nordeste além da Pennsylvania que falta por avançar nesse sentido. Também ajudaremos nossos aliados na Flórida a fazer o mesmo, com o qual se tornaria o primeiro estado no Sul a aprovar o uso medicinal da maconha.

Infelizmente, a rapidez com a qual avança o apoio popular à legalização da maconha não é a mesma quando se trata de diminuir as prisões por posse de maconha. Para nenhuma outra lei se dispõem tantos recursos e se aplicam com tanto rigor, ao mesmo tempo em que tanta gente a considera tão desnecessária. Os nossos esforços em Nova York nos últimos anos contribuíram para uma queda importante na ocorrência desse tipo de prisões, mas seu número ainda é muito elevado. Semana passada estive na Louisiana, cujos índices de encarceramento são os mais altos entre qualquer estado ou país do mundo e ser preso por posse de maconha pode significar muitos anos na cadeia. Em todo o país, os homens jovens e negros são por muito os que mais probabilidades têm de caírem presos por esse motivo, apesar desse grupo não ser mais propenso que o dos homens jovens e brancos a carregar maconha no bolso. Por isso, a legalização da maconha não é apenas uma questão de responsabilidade fiscal e de saúde pública, é também uma questão de direitos civis.

E o que podemos dizer sobre outros aspectos da política de drogas além da maconha, em particular sobre o papel da guerra às drogas como responsável do encarceramento massivo nos EUA? Eu diria que aqui estamos mais do que em um ponto de inflexão: o país parece estar tomando um novo rumo. Até mesmo o procurador geral está falando claramente contra o hiper-encarceramento que tomou conta do país. Porém, neste caso é como tentar virar um transatlântico. Mesmo que agora está se apontando numa nova direção, conter as forças inerciais que tem conduzido essa política durante tanto tempo pode demorar muito. O complexo da indústria das prisões tem uma força considerável na nossa sociedade, com amplos recursos fiscais, políticos e habilidades para mobilizar medos e prejuízos muito populares. Mas estamos ganhando terreno e fazendo progressos com vitórias incrementais que diminuem aos poucos o número de pessoas na cadeia por crimes não violentos relacionados com drogas, mas a nossa é uma visão de longo prazo para reduzir radicalmente os níveis de encarceramento em nosso país.

Em vários aspectos o nosso mais complexo desafio é transformar a crença popular de que o uso de drogas é uma questão de justiça criminal. É essa crença que enche nossas prisões, provoca o gasto de dezenas de bilhões de dólares por ano, obriga a se tratar a pessoas que não precisam de tratamento e tornam pouco atrativos os tratamentos para aqueles que realmente precisam de ajuda, além de desencorajar ligações aos serviços de emergência de pessoas que presenciam casos de overdose. Eu estou particularmente orgulhoso de nossa vitória recente pela aprovação das leis do Bom Samaritano 911, as quais fazem com que aqueles que ligam aos serviços de emergência para ajudar algum amigo em situação de overdose não precisam mais ficar com medo de serem presos por tentar salvar a vida de alguém (inclusive convencemos o governador de Nova Jersey a mudar de idéia e promulgar a lei). Overdoses fatais são hoje a primeira causa de morte acidental nos Estados Unidos, ultrapassando os acidentes de carro. Tenho conhecido muitos pais que perderam filhos por causa de uma overdose e que hoje se associam à DPA para que menos pais sofram por isso. Para mim e meus colegas, nosso trabalho nessa área – que inclui facilitar acesso à naloxona (notável antídoto contra a overdose) – se tornou uma paixão organizacional. Isso faz parte de nossa missão mais ampla de reduzir os danos da falida guerra às drogas e terminar com a criminalização do uso e posse de drogas.

Uma reunião plenária internacional durante a conferência bienal da DPA – realizada em Denver dois meses atrás – mostrou simultaneamente as políticas que defendemos e o respeito que ganhado pelo mundo afora. O chefe de gabinete do presidente do Uruguai explicou o apoio de seu governo à legalização da maconha; o ministro das Relações Exteriores da Guatemala apresentou as razões do crescente chamado de seu presidente por uma mudança radical na política global sobre drogas; de forma muito aberta, o czar das drogas da República Checa pediu uma revisão das convenções internacionais anti-drogas; o diretor da política de drogas em Portugal explicou a ênfase colocada por seu país na descriminalização e a saúde pública; e um representante da Nova Zelândia descreveu a nova lei que permitirá o uso recreativo de drogas sintéticas mediante um processo regulatório similar ao da Administração de Remédios e Alimentos (FDA) dos EUA, reduzindo desse modo o alcance do mercado ilegal, assim como os riscos e danos aos consumidores.

Pois é, foi um ano muito bom para a reforma de política de drogas. Essa sessão plenária não teria sido possível pouco tempo atrás. A legalização da maconha não era mais que uma opção de política abstrata faz apenas dois anos. As portas que estão abertas para mim e meus colegas estavam firmemente fechadas, às vezes nos parece, apenas ontem. Temos ainda muito caminho por andar? Temos. Será que vamos encontrar reveses e perder o impulso de vez em quando? Certamente, sim. Mas agora estamos conseguindo bem montar na onda e não vamos parar até vencer.
Muito obrigado por todo o trabalho feito e que pode ainda ser feito para apoiar o nosso trabalho. Aguardo seus comentários sobre minhas reflexões.

Ethan Nadelmann é fundador e diretor executivo da Drug Policy Alliance (www.drugpolicy.org).

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